Autoritarismos dentro/fora!
A lição da história é inequívoca: a repetição dos erros do passado só será evitada através de reflexão constante
O futuro que nos assombra, frequentemente imortalizado nas telas de cinema, é uma paisagem de ruínas. Pense nos filmes futuristas, todos partem de futuros caóticos. Não são apenas as catástrofes ecológicas que marcam o fim da civilização, mas a ascensão de regimes autoritários, alimentados por um nacionalismo exacerbado e pela centralização do poder. America First é a chave que rasga a proposição dos EUA e a invenção das Nações Unidas, que teve como base a uniao para brecar o movimento nazista há mais ou menos 80 anos. Essa narrativa distópica, com sua iconografia de uniformes, vigilância e líderes carismáticos, serve como um alerta constante contra a sedução da ordem imposta e a desumanização que acompanha ideologias extremas.
O Estado Acima do Indivíduo
O fascismo, em suas diversas manifestações históricas, opera pela imposição de um nacionalismo absoluto, que eleva a nação a uma entidade orgânica e suprema, acima de tudo e de todos - um deus único, uma pátria melhor que todas e as famílias sob vieses tão normativos, que apenas Margareth Atwood pode desenhar em seu "Conto da Aia". Nesse arcabouço ideológico, o indivíduo deixa de ser um cidadão autônomo para se tornar um mero instrumento do Estado. Direitos e liberdades são sacrificados no altar de uma suposta "grandeza nacional".
É nesse ponto que a filosofia de Friedrich Nietzsche se torna um prisma para analisar a moralidade destrutiva desses regimes. Embora Nietzsche não seja um teórico do fascismo - de fato, ele criticava veementemente o nacionalismo e o antissemitismo de sua época - , seu conceito de "Moralidade de Rebanho" (Herdenmoral) é particularmente elucidativo. O fascismo exige a submissão cega do indivíduo ao coletivo nacional, valorizando a conformidade, a obediência e o sacrifício pessoal. A uniformização é a chave inicial do projeto. Para Nietzsche, a moralidade de rebanho é a negação da vontade individual e da excelência, uma fuga da responsabilidade de criar seus próprios valores. O regime fascista explora essa tendência, transformando a massa em um rebanho homogêneo, fácil de guiar por um líder que se apresenta como a personificação da "Vontade de Poder" do próprio Estado.
Neste cenário de controle total, a vida cotidiana é meticulosamente regulada, e a presença cultuada do líder manifesta-se em cada monumento, discurso e ato de repressão às resistências. A oposição é rapidamente rotulada de traição à nação, para promover um ciclo vicioso de militarismo, violência e expansão territorial, com o pessimismo em relação à democracia servindo de combustível para a marginalização de ideias e culturas divergentes. Vale para países, vale para relações diversas que fogem da horizontalidade.
Xenofobia, Transfobia, Misoginia, Racismo e o Desvio do Olhar
O fascismo cria um ambiente onde a xenofobia e o racismo florescem, desviando o foco dos cidadãos dos verdadeiros desafios que a sociedade enfrenta, sejam eles sociais, econômicos ou ambientais. Ao eleger o "outro" - o estrangeiro, o dissidente, o minoritário - como a ameaça primordial, o regime consolida sua base de apoio e justifica sua opressão interna.
"Não validamos o grupo 'x' nesse momento, pois precisamos focar na luta contra 'leia aqui o espantalho que será criado'. Assim, nos anos 1980/90, quando os LGBTs enfrentaram a AIDS, criaram o estigma do 'câncer gay.' Da mesma forma, nos anos 2000, comunidades muçulmanas foram demonizadas pelo movimento antiterrorista, rotuladas como 'suspeitas' ou 'potencialmente perigosas.' Em outros momentos da história, grupos ambientalistas foram considerados 'radicais' por buscarem a ação urgente contra mudanças climáticas, enquanto problemas ambientais eram minimizados." Diante da luta contra o medo da economia, colocamos os direitos de alguns minorizados, de volta no final da fila. Pretos? Volta para fila! PcDs? Final da fila! LGBTQIAPN+? Atrás do ultimo no final da fila! Agora estamos lutando é por uma bem maior, pela "economia"!!!!
Para combater essa dinâmica, a visão do filósofo Jürgen Habermas sobre a Esfera Pública e a Ação Comunicativa oferece um caminho vital. Habermas defende que uma sociedade democrática saudável depende da existência de um espaço público onde o diálogo racional e livre de coerção possa ocorrer. O fascismo, por sua natureza, destrói a esfera pública ao impor uma verdade única e ao sufocar a divergência. A "Ação Comunicativa" de Habermas, que busca o entendimento mútuo através da argumentação, é o antídoto para a lógica fascista, que opera através da coação e da manipulação retórica. A proteção e o incentivo a um debate público plural, informado e inclusivo são, portanto, o cerne da resistência democrática.
O Imperativo de uma Democracia Ativa
A análise antropológica confirma que o fascismo não é um monólito; suas expressões são moldadas por especificidades simbólicas, culturais e históricas. A emergência da inteligência artificial, embora uma força poderosa, só pode ser uma aliada da democracia se for utilizada para identificar os padrões subjacentes à ascensão do autoritarismo, catalisando a criação de políticas de inclusão, participação cidadã e proteção dos direitos individuais - nós, populações minorizadas, sabemos o valor destas liberdades.
A lição da história é inequívoca: a repetição dos erros do passado só será evitada através de reflexão constante e um compromisso ativo com a manutenção da pluralidade - ainda que Eu não goste dela! A resistência ao fascismo exige mais do que a mera rejeição; exige a construção ativa de um estado democrático que valorize a diversidade e incentive o diálogo.
O paradoxo consiste em reconhecer que a navegação segura em direção ao futuro só é possível quando olhamos para trás, compreendendo as falhas históricas que nos conduziram às distopias que hoje ecoam em nossa cultura. Nesse sentido, pergunto: você concebe a diversidade em suas relações? As tragédias misógenas que temos presenciado mostram que sabemos receber ordens e manter relações com homens cis-heteros e com autoestima luxuriosa, mas será que já sabemos lidar com outros corpos e suas dinâmicas de "autoridade"? Como professora doutora, tenho observado a lógica que frequentemente mantém, de um lado, os corpos válidos que falam, vivem e produzem, e, de outro, aqueles que talvez ainda levem mais tempo para alcançar o mesmo grau de respeitabilidade.
A tarefa, portanto, é reimaginar e construir sociedades que não apenas sobrevivam, mas que floresçam, respeitando a dignidade humana e o meio ambiente. Este é o maior desafio do nosso tempo: garantir que a democracia não seja um ideal abstrato, mas uma prática viva, dinâmica e resiliente.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




