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João Lister

Advogado, graduado pelo UNIUBE – Universidade de Uberaba, Pós Graduado MBA, em Direito Empresarial pela FGV e psicanalista

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Bolsonaro: o último ato de indignidade

Bolsonaro encerra sua carreira pública do mesmo jeito que a percorreu: fugindo do que deve

Tornozeleira de Jair Bolsonaro (Foto: SEAP/Divulgação)

A prisão de Jair Bolsonaro, após o rompimento de sua tornozeleira eletrônica, não surpreende ninguém que tenha acompanhado sua trajetória pública. Se há algo de coerente em sua biografia política, é justamente essa vocação compulsiva para a indignidade. Romper a tornozeleira — gesto típico de quem tenta fugir da própria sombra — não é apenas uma violação judicial; é a metáfora final de uma vida dedicada a escapar: escapar da verdade, da razão, do decoro, da lei, do senso mínimo de dignidade que se espera de qualquer figura pública.

No instante em que decidiu serrar ou romper o dispositivo que monitorava sua pena, Bolsonaro não apenas se comportou como um réu desesperado; comportou-se exatamente como aquilo que foi durante toda a vida: alguém incapaz de um ato minimamente grandioso. E aqui reside a ironia suprema. Ele, que sempre vendeu a imagem de “herói perseguido”, de “mito injustiçado”, de personagem épico enfrentando o sistema, teve enfim a chance de encarnar a própria ficção que tanto lucrou politicamente. Poderia ter caminhado, altivo, para o cumprimento da condenação, assumindo sua responsabilidade, encarando o cárcere com a teatralidade viril que tanto encenou em palanques. Teria sido, pela primeira vez, coerente com o personagem que inventou.

Mas, claro, seria pedir demais. A natureza não dá saltos — especialmente quando se trata de Bolsonaro. Sua estrutura íntima não comporta gestos grandiosos. Onde outros fariam da derrota uma lição, ele faz da vergonha um espetáculo. Onde líderes verdadeiros enfrentam seus erros, ele se encolhe. Onde heróis se erguem, ele rasteja. Romper uma tornozeleira, afinal, exige menos coragem do que sustentar a própria narrativa heroica diante da Justiça.

A tentativa de fuga, ainda que tosca, apenas repete um padrão antigo. Durante anos, Bolsonaro cultivou uma estética de valentia que sempre desmoronou diante da realidade. O homem que elogia torturadores nunca suportou ser contestado; o mandatário que zombou de mortos na pandemia não teve coragem de enfrentar uma CPI; o presidente que incitou seus seguidores contra as instituições foi o primeiro a fugir do país quando finalmente precisaria responder por seus atos. A suposta virilidade, tão ostentada nos palanques, sempre se revelou frágil como papel molhado quando confrontada pela concretude da vida pública.

E o mais trágico — ou cômico, dependendo do ponto de vista — é que seus seguidores continuam a enxergar heroísmo onde só há covardia. Transformam cada escândalo em perseguição, cada delito em martírio, cada ato indigno em capítulo bíblico. Talvez esperassem que, desta vez, ele ao menos honrasse a lenda e enfrentasse sua pena como um líder. Talvez imaginassem o mito caminhando ereto para a prisão, bradando que o sistema o teme. Em vez disso, receberam o que sempre esteve ali, mas que muitos se recusaram a ver: um homem que não lidera, não enfrenta, não assume — apenas foge.

A cena da prisão, portanto, não inaugura nada; apenas conclui. É a assinatura final de alguém que sempre fez da indignidade seu modo de existir. Assim como a pandemia expôs sua incapacidade moral, a retórica golpista revelou sua mediocridade intelectual, e o exílio voluntário nos Estados Unidos exibiu sua covardia estrutural, agora o rompimento da tornozeleira oferece a imagem perfeita para seu epitáfio político: um líder de opereta, incapaz de ser heroico até na queda.

No fundo, não havia como terminar de outro modo. Bolsonaro encerra sua carreira pública do mesmo jeito que a percorreu: fugindo do que deve, culpando quem pode e decepcionando até aqueles que se ajoelham diante dele. Não foi capaz de um único gesto altivo — nem mesmo o gesto final, quando lhe restava apenas a dignidade que nunca teve.

A História, generosa como é, ainda tentará entender como alguém tão pequeno conseguiu ser tão grande em estragos. Mas, para o presente, basta constatar o óbvio: romper a tornozeleira não é apenas um crime; é sua autobiografia em miniatura. É a prova final de que Bolsonaro nunca foi perseguido, nem herói, nem mártir. Foi — e segue sendo — apenas aquilo que o ato de hoje confirma com precisão cirúrgica: um indigno em tempo integral, intérprete fiel de sua própria covardia.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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