Dosimetria é farsa para apagar a tragédia golpista
Se mantido o perdão ora concedido aos fascistas, eles vão amealhar mais força política e voltarão com ódio redobrado e mais sangue em seus olhos, bocas e mãos
Em onze de setembro de 2025 foi proclamado o resultado do julgamento da ação penal 2.668, pela qual foram condenados os réus do núcleo um, onde estão incluídos os principais acusados da trama golpista do oito de janeiro de 2023: o ex-presidente, os generais Braga Neto, Paulo Sérgio e Heleno, o almirante Garnier, o ex-deputado Ramagem e o ex-ministro da justiça Anderson Torres.
Na semana seguinte à conclusão do julgamento, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, resgatou o adormecido projeto de lei de anistia para os golpistas e entregou sua relatoria ao deputado Paulinho da Força, que foi buscar em Aécio Neves e Michel Temer o apoio para a execução da sua empreitada.
Dessa aliança do atraso surgiu a ideia farsesca de afirmar que não estavam buscando a concessão de anistia; e queriam apenas fazer a “dosimetria” da pena em favor dos criminosos que atentaram contra a Constituição, a democracia e as instituições. Ao receber a incumbência, Paulinho manifestou que: “é preciso estabelecer a paz no país e virar a página”. E, assim, foi dada a senha para mais uma conciliação nacional.
No início de novembro de 2025, quando os condenados do núcleo número um não foram transferidos para estabelecimentos prisionais comuns, ficou a impressão de que forças poderosas estavam interferindo junto ao STF para beneficiá-los, tendo em conta os vários militares de alta patente, entre eles, com penas a cumprir.
No projeto aprovado no parlamento, a tal “dosimetria” não passa de uma jaboticaba retórica, manejada pelos congressistas para tentar escapar da inconstitucionalidade flagrante, diante da ideia de se conceder perdão aos que foram condenados por ataque frontal à ordem constitucional e à democracia.
A classe dominante brasileira costuma perdoar os serviçais que atuam para garantir seus interesses. Assim ocorreu ao término da ditadura de 1964-1985, quando anistiaram indevidamente os verdugos, por meio da lei de 1979, utilizada para se tentar jogar ao esquecimento as atrocidades praticadas durante aquele regime.
Travamos uma luta histórica para garantir que fosse realizado o recente julgamento pelo Supremo Tribunal Federal e para que, ao final, fossem impostas as condenações contra os que violaram a Constituição, a democracia e as instituições.
De um lado desta luta estavam as forças reacionárias e conservadoras, as mesmas que agora impõem a dosimetria, para, como em 1979, tentar retirar a responsabilização dos golpistas, entre eles militares de alta patente, saudosos do último regime ditatorial. Do outro lado, estavam reunidos os defensores da democracia, dos direitos humanos e das forças progressistas do país, que esperaram por décadas por reparação histórica, por memória, verdade e justiça.
Ao garantir o perdão legal (diminuição de penas) aos golpistas, o que se busca na verdade é impor, mais uma vez, o apagamento da memória nacional e jogar no esquecimento todos os erros do governo anterior (2019-2022), que trabalhou contra a Constituição e desejava impor uma ditadura, nos moldes de 1964-1985, em benefício dos interesses neoliberais mais atrasados, que buscam garantir para si a exploração da riqueza nacional.
Infelizmente, a cultura da “pacificação” nacional, implantada oficialmente desde o segundo império, por meio do “gabinete da conciliação” (1853-1857, liderado inicialmente pelo marquês do Paraná), fez escola em diversos momentos da vida republicana brasileira.
Como agora, em que se tenta impor goela abaixo a “dosimetria” para aliviar os golpistas do oito de janeiro de 2023 e promover o esquecimento dos males causados por estes criminosos, que, assim, poderão voltar em breve, a ditar sua política, que só favorece essa classe dominante sem compromisso com a democracia, a soberania e o desenvolvimento do Brasil e do povo.
Esse grupo, tão habituado a manejar pessoas e movimentos para decidir os destinos do país conforme seus apetites, parece tomado agora pela ingenuidade de acreditar que podem estabelecer um cordão sanitário contra o fascismo e mantê-lo sob controle.
Ocorre que, se mantido o perdão ora concedido aos fascistas, eles vão amealhar mais força política e voltarão com ódio redobrado e mais sangue em seus olhos, bocas e mãos, para finalizar a destruição que ainda não lograram até agora.
A sociedade em geral já se manifestou pelo respeito à Constituição e em defesa da democracia. Por isso, é inaceitável a concessão, pelo parlamento, de qualquer espécie de facilidade aos fascistas, que devem cumprir integralmente suas penas, do modo estabelecido na sentença em que foram condenados, como forma de respeito à vontade popular e ao equilíbrio entre os poderes. Por isso, o presidente Lula disse que vai vetar o projeto de lei e afirmou ainda que: “tem gente que quer que a gente esqueça, mas a gente não pode esquecer”!
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




