Empatia sob medida num mundo em chamas revela quem escolhemos salvar
É preciso erguer sistemas éticos e políticos que não dependam da empatia emocional de ocasião
Somos a espécie que chora. Que se comove. Que interrompe o curso de seu dia por uma imagem, um símbolo, um rosto.
Mas também somos a espécie da empatia seletiva. Da consciência cuidadosamente selecionada. Do cuidado condicionado por filtros invisíveis — culturais, raciais, econômicos.
E isso, lamentavelmente, não é um acidente da nossa civilização. É um padrão. Uma síndrome moral. Um algoritmo silencioso que determina por quem vale a pena sofrer — e por quem se pode virar o rosto. Está nos matando. Não apenas enquanto corpos individuais, mas como coletividade humana. Está minando a própria ideia de humanidade compartilhada.
Por que uma catedral em chamas no coração de Paris acende tanto pranto global, enquanto cidades inteiras reduzidas a escombros no Sudão ou em Gaza mal merecem uma nota de rodapé? Por que a morte de um urso polar na Noruega desperta mais comoção do que milhares de refugiados do clima, expulsos pelas águas e esquecidos sob o peso das estatísticas?
Não se trata da quantidade de dor. Mas da proximidade identitária com a vítima. Se não se parecem conosco, se não falam como nós, não rezam como nós — ou, pior ainda, se não agregam valor ao mercado que nos sustenta — tornam-se invisíveis.
A mudança climática é global. Mas a empatia climática continua sendo local. Racial. E profundamente comercial.
Chuvas torrenciais na Alemanha despertam planos de ação. Inundações devastadoras na Índia geram discursos de culpa e ineficiência. Furacões na Flórida são tratados como tragédias nacionais. Ciclones em Moçambique recebem o rótulo burocrático de “desastre natural”.
A migração climática em Miami vira debate sobre o mercado imobiliário. Em Dhaka, vira estatística de superpopulação.
Mesmo no financiamento climático, vemos o abismo moral: o Sul Global deve implorar por ajuda para crises provocadas pelo Norte Global. O orçamento da empatia é definido por quem se encaixa na moldura da nossa afeição.
Somos viciados na imagem do próprio espelho. Mostramos simpatia quando enxergamos nossos traços — ou nossos desejos — no outro. Por isso, uma mãe ucraniana com um filho nos braços parece “como nós”. Já uma criança somali faminta permanece, para muitos, fora de foco.
Até mesmo o ativismo muitas vezes tropeça nesse reflexo. Lutamos com mais fervor por aqueles que nos parecem familiares — ou mais palatáveis às redes sociais.
A empatia seletiva é como escolher quem salvar numa casa em chamas. Mas o fogo não discrimina. Ele consome a todos — a menos que nos salvemos juntos.
É preciso, portanto, erguer sistemas éticos e políticos que não dependam da empatia emocional de ocasião. Que os dados, não a cor da pele, orientem a ajuda humanitária. Que vozes do Sul Global não apenas sejam ouvidas, mas liderem os debates sobre o futuro do planeta. Que a vida de um refugiado importe, independentemente do idioma que fala. Que os animais sejam protegidos não por sua “fofura viral”, mas por sua função no equilíbrio do ecossistema.
E, sobretudo, que aprendamos a praticar uma empatia inconveniente. Daquela que desconforta. Que desafia. Que inclui o estranho, o desconhecido, o incompreendido. Daquela que nos arranca do centro do mundo.
Porque no fim, inevitavelmente, o espelho vai se quebrar. E aquilo que deixarmos de amar hoje definirá o que restará de nós amanhã.
Somos todos folhas e ramos de uma mesma árvore, gotas de um mesmo oceano, estrelas de um mesmo céu. Quando um galho se quebra, toda a árvore verga. Quando uma estrela se apaga, o céu inteiro escurece. Isso tudo aprendi quando eu tinha ainda apenas 16 anos e era julho de 1975. Já se vamos 50 anos.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




