Entenda por que Moraes virou o alvo da Faria Lima
A engrenagem é conhecida: personaliza-se o conflito, desloca-se o foco e cria-se um personagem conveniente para o desgaste público
O ministro Alexandre de Moraes, do STF, virou alvo preferencial da velha mídia corporativa e de setores do sistema financeiro porque passou a ocupar o centro do tabuleiro após condenações contra o núcleo bolsonarista pela tentativa de golpe de Estado. Não se trata de defender uma suposta “reação do Estado”, mas de observar um movimento político recorrente, em que personagens institucionais são expostos quando deixam de ser úteis a interesses econômicos e editoriais bem definidos.
Nos últimos dias, reportagens e colunas passaram a explorar jantares, encontros e contratos ligados ao ministro do Supremo, convertendo fatos laterais em narrativa central. A engrenagem é conhecida: personaliza-se o conflito, desloca-se o foco e cria-se um personagem conveniente para o desgaste público.
Aqui cabe um ajuste histórico essencial. Na ditadura militar, os mesmos polos que flertaram com os torturadores do regime de exceção sustentaram o algoz enquanto ele garantiu estabilidade, disciplina social e ganhos econômicos. Quando o peso internacional e interno se tornou insustentável, soltaram a mão. A conta ficou com os porões.
Na Lava Jato, o roteiro se repetiu. O punitivismo seletivo foi celebrado, financiado e amplificado enquanto serviu para reorganizar o poder e o capital, gerar manchetes e produzir dividendos políticos e econômicos. Quando os excessos vieram à tona, muitos dos que aplaudiram passaram a agir como se nunca tivessem participado do espetáculo. As feridas seguem abertas.
No ciclo atual, Alexandre de Moraes passou a concentrar esse papel depois de conduzir e concluir julgamentos que condenaram o núcleo bolsonarista pela tentativa de golpe de Estado. Não se trata aqui de endossar métodos ou decisões, mas de observar o efeito político: o algoz do momento torna-se intolerável quando começa a incomodar estruturas maiores.
O caso do Banco Master ajuda a compreender o ponto de inflexão. A tensão com a Faria Lima não nasce de memes nem de redes sociais. Ela se acentua quando o ministro Dias Toffoli determina a realização de acareações no inquérito que apura fraudes envolvendo o Master e o BRB, colocando sob luz direta as engrenagens do sistema financeiro.
A acareação é o ponto sensível dessa história. Quando Dias Toffoli decidiu colocar frente a frente o dono do Banco Master, o ex-presidente do BRB e um diretor do Banco Central, algo saiu do script. Não era só para comparar versões. Era para olhar o método. E talvez seja aí que os oligarcas tenham perdido o controle: e se o Master não for um desvio, mas um retrato cru do sistema? Prometer ganhos fora da curva, empurrar risco para a sociedade e chamar isso de normalidade financeira. Quando o espelho aparece, a fúria não é moral. É defensiva.
A reação veio em bloco. Entidades que representam cerca de 90% do setor bancário divulgaram nota pública em defesa do Banco Central, invocando o risco de “insegurança jurídica” e a necessidade de preservar a chamada autonomia técnica da autoridade monetária. O gesto não é irrelevante nem neutro. Ele sinaliza onde está o nervo exposto.
É justamente aí que se evidencia o conluio de método. A velha mídia corporativa fornece a moldura narrativa. O sistema financeiro, que capturou o Banco Central sob o discurso da “independência”, oferece o respaldo político e simbólico. Na prática, essa independência tornou a instituição mais permeável aos abutres da Faria Lima e menos responsiva ao interesse público.
A máxima permanece válida. Oligarquias usam o Estado enquanto ele maximiza lucros e garante previsibilidade. Quando o jogo muda, soltam a mão do algoz e tratam de construir outro enredo. Não é achismo. É história.
E a história costuma ser implacável com quem finge não conhecê-la.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




