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Marcelo Pires Mendonça

Professor da rede pública de ensino do DF e especialista em Direitos Humanos

27 artigos

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"Governo na Rua" de Boulos promove a democracia de mão dupla

Nada mais radical para a democracia do que levar o governo para a rua

Brasília (DF), 29/10/2025 - O novo o Secretário-Geral da Presidência da República, Guilherme Boulos, fala durante cerimônia de posse, realizada no Palácio do Planalto. (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

A publicação da portaria que institui o “Governo na Rua” marca um importante ponto de partida para a gestão do ministro Guilherme Boulos na Secretaria-Geral da Presidência, com o lançamento de um programa para aproximar o governo federal da população, sobretudo das parcelas mais vulnerabilizadas. O objetivo é garantir que os serviços e políticas públicas cheguem de fato a quem mais precisa e, ao mesmo tempo, estabelecer um canal direto de comunicação com a sociedade, materializando a democracia de mão dupla com participação social: o governo leva suas ações aos territórios e traz de volta a manifestação das pessoas nos para o centro das decisões.

A portaria SG/PR nº 203/2025 define diretrizes que demostram como essa participação deve acontecer, evidenciando uma perspectiva de atuação do governo mais democrática, sendo a transversalidade uma dessas diretrizes, a qual significa que as políticas públicas precisam se conectar, sem ficarem presas em “caixinhas” de um único ministério, promovendo uma visão integrada. Inclusão e diversidade garantem que todas as pessoas sejam ouvidas, especialmente as de grupos que historicamente foram excluídos do debate público, dos espaços de decisão e do acesso a direitos e garantias, alinhando-se à promoção da cidadania. Já a equidade territorial reconhece que o Brasil é um país de dimensões continentais e tem realidades muito distintas, assim, o que funciona em uma cidade ou comunidade pode não funcionar em outra, exigindo que as políticas se adaptem a cada território e suas necessidades específicas.

Para que essa participação seja efetiva e as políticas públicas funcionem de verdade e tragam resultados concretos para a população, o programa incorpora elementos modernos de gestão, sendo um deles a importância do diagnóstico prévio ou o que chamamos de “análise ex ante” (antes de acontecer). O Grupo de Trabalho Técnico (GTT) do “Governo na Rua” começa exatamente com essa análise: ver se o que está sendo feito atualmente está alinhado com os objetivos do governo e se está dando certo na prática, baseando-se em evidências. Imagine que o governo queira criar um programa de merenda escolar. Uma análise ex ante perguntaria: os modelos atuais de gestão da oferta de merenda escolar são os melhores? As comunidades estão sendo ouvidas sobre o cardápio? Esse tipo de análise, baseada em evidências e no diálogo, evita que se repitam erros do passado e garante que as novas ações sejam mais consistentes e tenham maiores chances de atender aos interesses da sociedade. 

Outro desafio que o programa busca superar é o da “burocracia de nível de rua”, termo que se refere aos profissionais que estão na linha de frente do serviço público, como agentes de saúde, assistentes sociais e professores, que muitas vezes, trabalham com poucos recursos e regras complexas, o que pode dificultar que a política pública chegue à população exatamente como foi planejada. Ao identificar esses entraves e criar modelos de gestão mais ágeis, por exemplo, levando informações sobre como a população pode participar dos conselhos municipais de saúde ou de assistência social, ajudando a decidir, na sua própria região, como os recursos serão usados e cobrando resultados em audiências públicas, transformando o cidadão em um agente ativo na fiscalização e decisão da política pública no seu território, é possível capilarizar a participação social e torna-la acessível a todos.

O “Governo na Rua” tem um grande potencial para fortalecer as Instituições Participativas (IPs), como conselhos, conferências, ouvidorias e fóruns, pois indo até as comunidades, o programa pode revitalizar essas IPs, mostrando que elas existem, como funcionam, como as pessoas podem participar, qual a sua importância, facilitando, assim, o acesso da população. Ao promover a escuta ativa junto às comunidades periféricas, o programa não concorre com essas instituições, pelo contrário: as fortalece, pois essa presença direta permite identificar com precisão os problemas reais vividos pelo público e saber exatamente qual é a dificuldade para acessar um benefício social ou qual serviço público está falhando, que é o primeiro passo para garantir uma resposta governamental efetiva e, a partir desse diagnóstico, definir estratégias de territorialização, ou seja, adaptar as políticas nacionais às realidades locais, criando soluções que fazem sentido para cada comunidade.

Finalizo trazendo algumas reflexões do mestre Paulo Freire: "As chamadas minorias, por exemplo, precisam reconhecer que, no fundo, elas são a maioria. O caminho para assumir-se como maioria está em trabalhar as semelhanças entre si e não só as diferenças e assim, criar a unidade na diversidade, fora da qual não vejo como aperfeiçoar-se e até como construir-se uma democracia substantiva, radical". Nada mais radical para a democracia do que levar o governo para a rua, com participação social na perspectiva de um projeto dialético, uma nova forma de o Estado se relacionar com a sociedade para construir políticas de forma colaborativa, escutando ativamente e dialogando nos territórios. Esse é o caminho traçado pelo "Governo na Rua": uma via de mão dupla!

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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