Infiltração do crime organizado no sistema financeiro
O crime organizado se reproduz e se legitima por meio da lavagem de dinheiro e de fraudes digitais
As duas maiores facções criminosas do Brasil, o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), estão presentes em todas as 27 unidades da federação. Elas exercem hegemonia em 13 estados brasileiros.
O PCC domina os seguintes estados: Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Rondônia, Roraima, São Paulo e Piauí. O CV domina seis estados: Acre, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Tocantins e Rio de Janeiro, o estado onde a facção surgiu.
Ambas as facções deixaram de ser grupos restritos aos presídios para se tornarem organizações transnacionais, realizando negócios internacionais. O PCC controla a Rota Caipira: leva drogas da fronteira ao Porto de Santos, e se especializa no atacado e no envio de drogas, principalmente para a Europa, um mercado considerado mais rentável. O PCC possui conexões internacionais em 16 países, com destaque para sua presença na Europa, incluindo Espanha, Portugal, Itália e Irlanda. Sua principal atividade é a exportação de cocaína via portos (como o de Santos) e a lavagem de dinheiro global.Já o CV controla a rota do Alto Solimões e se concentra em abastecer o consumo interno de drogas no Brasil, apesar de também ter negócios internacionais, embora de forma embrionária perto do PCC. O CV tem maior concentração na América do Sul, com alcance em quatro países: Colômbia, Peru, Bolívia e Suriname, e dados da Polícia Federal também indicam negócios com Argentina, Paraguai e Venezuela. Sua expansão se caracteriza pela agressividade territorial, buscando controlar rotas de passagem pela Amazônia e terras indígenas até chegar aos centros consumidores, como o Sudeste.
O domínio armado de facções e milícias pode, sim, atingir atividades financeiras, especialmente quanto à lavagem de dinheiro e a crimes financeiros. As facções utilizam mecanismos complexos em suas operações financeiras.
O PCC desenvolveu mecanismos sofisticados de lavagem de dinheiro e tem a lavagem de dinheiro global como uma de suas atividades principais. No caso do CV, a expansão para a Amazônia ocorreu em um contexto no qual já existiam modalidades de crime organizado (como desmatamento, garimpo e grilagem).
Eles possuíam tecnologia de lavagem de dinheiro sofisticada, como no caso do ouro. Isto acabou por capacitar o CV a “lavar o dinheiro da droga”.
O crime organizado, de forma ampla e disseminada, infiltra-se no sistema financeiro. O Brasil tem enfrentado o desafio de se tornar o segundo país com mais tentativas de golpes e fraudes digitais, atrás apenas da China. A Aliança de Combate a Fraudes Digitais Bancárias, fruto de uma colaboração inédita entre os setores público e privado (incluindo o Ministério da Justiça e Segurança Pública, FEBRABAN, Banco Central, Polícia Federal, COAF, entre outros), foi criada para enfrentar os crimes financeiros digitais de forma estruturada e contínua no país.A Aliança visa combater fraudes e golpes bancários digitais. Eles se tornaram um desafio grave e complexo. O BCB, em resposta aos incidentes no sistema financeiro, adotou medidas para reforçar a segurança e combater a lavagem de dinheiro, como a limitação de transações via Pix, e o endurecimento de regras contra o uso irregular de "contas-bolsão" e as chamadas "contas-laranja".
Essas "contas-laranja" operam como um mercado organizado e são usadas para movimentar recursos ilícitos, sendo um desafio persistente no combate ao crime financeiro. Exigem atenção, pois podem envolver a cooptação de pessoas de baixa renda.
Em suma, o domínio armado não se limita ao controle territorial para o tráfico de drogas, mas se estende ao uso de mecanismos para integrar dinheiro ilícito no sistema financeiro através de atividades sofisticadas de lavagem de dinheiro e exploração de brechas no ambiente digital.
Pode-se pensar na relação entre domínio armado e atividades financeiras como um vírus em um computador: o domínio armado (o vírus) é visível no controle territorial e na violência, mas seu objetivo final e mais sofisticado é a infecção do sistema financeiro (o computador). Os ativos financeiros são as formas de manutenção de riqueza.
O crime organizado se reproduz e se legitima por meio da lavagem de dinheiro e de fraudes digitais. Transforma o lucro sujo em capital aparentemente limpo para sustentar a organização.
O Banco Central do Brasil (BC) adotou uma série de medidas regulatórias recentes para reforçar a segurança e combater a infiltração do crime organizado, especialmente quanto a fraudes digitais e lavagem de dinheiro, porque afetam o mercado bancário. As atuações do BC incluem as seguintes.
Em resposta a incidentes no sistema financeiro, como ataques hackers e operações policiais capazes de revelarem o uso de instituições financeiras para lavagem de dinheiro pelo crime organizado, o BC implementou ajustes regulatórios como limitação de transações via Pix. O BC limitou a R$ 15 mil as transações via Pix para instituições conectadas por meio de Provedoras de Serviços de Tecnologia da Informação (PSTIs).
Antecipou o prazo, de 2029 para maio de 2026, para todas as Instituições de Pagamento (IPs) obterem licença. Elevou os requerimentos de gestão de riscos e o capital mínimo das PSTIs, além de aumentar o capital mínimo das IPs conforme a atividade. Publicou a regulação de ativos virtuais.
Endureceu as regras contra o uso irregular de "contas-bolsão": contas em nome da instituição financeira capazes de concentrarem recursos de vários clientes. Mais recentemente, a regulamentação da prestação de serviços de Banking as a Service (BaaS) também proibiu os prestadores desse serviço utilizarem contas-bolsão.O Banco Central do Brasil lançou ferramentas e normas específicas para combater a abertura fraudulenta de contas e o uso de "contas-laranja" para movimentar recursos ilícitos. Criou uma ferramenta chamada BC Protege+, possibilitando a pessoas e empresas informarem ao sistema financeiro caso não desejam abrir contas de depósito à vista, poupança ou pré-pagas. Esse serviço visa evitar a abertura fraudulenta de contas usando identidade falsa. As instituições financeiras devem consultar o banco de dados do BC Protege+ antes de abrir uma conta.
Aprovou uma norma que obriga instituições financeiras e de pagamento a rejeitar transações destinadas a contas com “fundada suspeita de envolvimento com fraude .
Apesar dessas medidas, o combate às “contas-laranja” ainda é visto como um problema a ser superado. Parte do mercado defende o banimento de CPFs e CNPJs comprovadamente usados para movimentar recursos ilícitos, mas não há consenso no Banco Central, pois uma ala teme isso prejudicar a inclusão financeira: muitas pessoas de baixa renda “alugam” suas contas.
O objetivo da Aliança de Combate a Fraudes Digitais Bancárias, lançada em fevereiro de 2025, é elevar o padrão de combate às fraudes e golpes bancários digitais por meio de um Plano de Ações Conjuntas. São iniciativas focadas em prevenção, repressão, compartilhamento de dados e recuperação de ativos.
O BC observou inconsistências nas informações prestadas pelas instituições supervisionadas e decidiu exigir a implementação de uma política de qualidade de informações. Essa nova resolução entrará em vigor em janeiro de 2026 (com prazo de adaptação até o fim do ano). Exige um "sistema de governança robusto" e estabelece critérios como clareza, comparabilidade e integridade para garantir as informações fornecidas à autoridade monetária, ao mercado e aos clientes serem de alta qualidade, inclusive em "situações adversas ou de crise". Essa medida é vista como um aprimoramento na segurança e estabilidade do sistema financeiro.
Embora o BC não tenha como missão primária combater o crime, ele atua em parceria com órgãos como a Polícia Federal e o COAF, aplicando um modelo de supervisão baseada em risco para fiscalizar as instituições e conter riscos. As ações do BC demonstram um “freio de arrumação”, para ajustar o binômio inovação e segurança, após o crescimento da digitalização ter facilitado a infiltração do crime organizado no sistema financeiro.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.



