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Henrique Pizzolato

Ex-sindicalista bancário; ex-presidente da CUT Paraná; ex-diretor da Previ e do Banco do Brasil; militante de Direitos Humanos e membro da Rede Lawfare Nunca Mais

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Lawfare, minha dor, nossa resistência

Decisão do TRF-2 não apaga o sofrimento, mas representa um marco

Henrique Pizzolato (Foto: Reprodução Youtube)

A decisão do TRF-2 que rejeitou a pretensão da União de me obrigar a ressarcir valores relativos ao processo de extradição da Itália é mais do que um alívio pessoal. Representa o reconhecimento de que fui alvo de um mecanismo de perseguição política judicializado que visa, antes de tudo, destruir reputações e silenciar vozes. Essa prática, conhecida como lawfare, não pune apenas. Ela corrói, aniquila e empobrece a capacidade de defesa daqueles que a ela são submetidos.

Recordo com nitidez a primeira audiência em Bolonha. Estavam presentes o advogado-geral da União à época, Luís Inácio Adams, e diversos procuradores do Ministério Público Federal. Não tinham legitimidade para integrar a audiência, mas fizeram questão de marcar presença. Queriam aparecer na foto, dar entrevistas, alimentar um espetáculo midiático. Enquanto isso, registrar-se-iam despesas em meu nome: viagens em classe executiva a Paris, Bruxelas e Viena, cidades que nada tinham a ver com o processo. Passagens, diárias e hospedagens foram lançadas como se fossem parte do custo da minha extradição.

O então ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, deixou que o procurador-geral Rodrigo Janot pautasse a condução do caso, e referendou decisões que hoje se mostram problemáticas. Pela primeira vez, o Estado brasileiro contratou um escritório estrangeiro para representar o país em processo de extradição, o Gentiloni, ligado ao Ministério das Relações Exteriores da Itália. Tratou-se de contratação onerosa e pouco transparente, sem detalhamento claro dos serviços prestados.

Algo que até hoje me causa dor foi a assinatura de documento que indicava como destino, no Brasil, penitenciária federal de segurança máxima. Esses estabelecimentos são destinados a criminosos de alta periculosidade. Colocar um preso político, alguém cuja trajetória foi de luta sindical e política, em um regime pensado para os piores criminosos revela o caráter simbólico e punitivo da ação estatal.

Mesmo diante desse quadro, nunca alimentamos ódio pessoal ou desejo de vingança. Aos amigos italianos que nos perguntavam por que um governo progressista adotou medidas tão duras contra um de seus militantes, respondíamos que nossa causa é mais ampla. A luta pela justiça social não se confunde com fidelidade incondicional a governos ou siglas. Quando companheiros traiem princípios elementares, isso não nos autoriza a renegar os valores que sempre nos nortearam.

Quero acrescentar, com absoluta convicção, que essa resistência não se limita ao episódio da extradição. A continuidade da nossa luta tem um alvo maior: a grande injustiça representada pela Ação Penal 470, o chamado mensalão. Foi ali que se abriram portas para um ciclo de punições e excrescências jurídicas que até hoje reverberam sobre a vida política e judicial do país. A injustiça que sofri e ainda sofro naquele processo precisa ser reparada. É uma dívida que a história terá de acertar.

Registro minha profunda gratidão à advogada Tânia Mandarino, que trabalhou de forma dedicada e pró bono, e ao perito Luiz Carlos E. Silva, que, também sem cobrar, desmontou a teia de gastos injustificados lançados contra mim. Aos companheiros e companheiras que permaneceram firmes ao nosso lado, meu reconhecimento e gratidão eternos.

Esta decisão não apaga o sofrimento, mas representa um marco. É a confirmação de que houve abuso do direito com objetivo persecutório. É uma vitória contra o lawfare e a prova de que resistir vale a pena. Seguiremos na luta, porque a causa é maior do que qualquer perseguição.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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