Moraes inocenta general descendente de cinco gerações de militares. O que uma coisa tem a ver com a outra? Não sei
Estevam Theophilo Gaspar Cals de Oliveira não poderia ser condenado a pena alguma...
Na noite desta segunda-feira, 17 de novembro, quando a votação online sobre o destino dos 10 réus do núcleo 3 rolava na Internet, decidindo pela absolvição ou a condenação, o relator do processo, o ministro Alexandre de Moraes, dirigiu-se à casa do comandante do Exército, Tomás Paiva, onde se reuniu com o general e o ministro da Defesa, José Múcio.
Na pauta, segundo o jornalista Valdo Cruz da GloboNews comentou no programa “Estúdio I” desta terça, um acerto - o termo é meu, o jornalista usou outro de que já não me recordo -, para que sejam os próprios militares a levarem para a prisão (caso ela aconteça), o ex-presidente Jair Bolsonaro. “Sem escândalo, de forma discreta, e conduzido por eles”, isso eu me lembro que foi dito.
Valdo parece ter acreditado que o assunto tratado na reunião foi apenas esse. Ou, se não acreditou, guardou para si qualquer juízo de valor. Pano rápido.
Dia seguinte, hoje, (terça-feira, 18 de novembro), à tarde, saiu o resultado do julgamento do núcleo 3. Manchete: “O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta terça-feira (18) pela primeira vez para absolver um réu no processo que apura a tentativa de golpe após as eleições de 2022”.
O que uma coisa tem a ver com a outra? Não sei. Só sei que onde tem José Múcio, a conversa caminha para a direita. Só sei que ao contrário de Valdo Cruz, acredito que a conversa pode ter ido além disso.
Para que rumo? Não sei, mas sei que a reunião foi vazada pelo neto do ditador, Paulo Figueiredo, nas suas redes sociais, e alardeada pelo jornal da ultradireita, Jornal da Cidade Online. https://www.jornaldacidadeonline.com.br/noticias/75816/urgente-vaza-reuniao-equotsecretaequot-de-moraes-e-o-provavel-motivo-e-um-completo-absurdo
A notícia, como não poderia deixar de ser, tem o tom de fofoca, que não reproduzirei aqui, na íntegra. O texto inicia com estardalhaço: “Urgente: Alexandre de Moraes está nesse monto, reunido clandestinamente na casa do comandante do Exército (Ge. Tomás Paiva), também com a presença do ministro da Defesa José Múcio.
Podemos especular que o assunto é a prisão do capitão Jair Bolsonaro e dos demais militares condenados pelo “golpe da Disney” em prisão comum ou militar?”, é um trecho do que escreveu o neto do ditador.
Para entender melhor essa história, é preciso dar um pulo no passado recentíssimo. Para entender melhor essa história é preciso reproduzir o que ouvi de fontes ligadas ao Exército, de que havia no Alto Comando uma convicção: Augusto Heleno, o que detém as três coroas (três medalhas de primeiro lugar das três escolas que cursou até atingir o generalato), não poderia ser condenado. Ou, se fosse, não poderia receber pena alta. (Não foi o que aconteceu. Ele foi condenado a 21 anos de prisão).
Estevam Theophilo Gaspar Cals de Oliveira, não poderia ser condenado a pena alguma. Deveria ser salvo pelo bem da trajetória de sua estirpe de grandes generais do Exército Brasileiro, que vem desde o Império. Apenas um dos Theophilo não chegou ao generalato, por opção, mas depois eu conto por quê.
(Aqui, é preciso fazer um “stop” e observar o seguinte. Não seriam eles, os generais, os principais responsáveis por zelar pelas suas biografias? Em sendo assim, o que foram fazer numa confabulação que previa o assassinato de autoridades? Foi para isto que os treinamos?).
No dia 8 de fevereiro de 2024 a Polícia Federal não esperou amanhecer. Bateu na porta do general quatro estrelas, Estevam Theophilo Cals Gaspar de Oliveira e executou um mandado de busca e apreensão. A acusação, era a de que ele teria participado da trama golpista que tinha como fim impedir a posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva.
Acolhido no Alto Comando
Sua função na trama era comandar o pelotão que marcharia sobre Brasília, tendo atrás de si os “forças especiais” ou Kids pretos, como são conhecidos os “toucas pretas”, treinados em operações de contrainteligência, insurreição e guerrilha. Para a missão, frequentou reuniões diretamente com o líder da conspiração e então presidente derrotado, Jair Bolsonaro, sem comunicar ao comandante do Exército de então, Marcos Gomes Freire, que também andou comparecendo às confabulações, mas medindo a relação custo/benefício, desistiu de prosseguir na trama golpista. (Quebra de hierarquia. Falta grave).
Propositalmente, (ou não), o general não exibe o sobrenome Cals. Talvez numa tentativa de não macular a memória (triste memória) do tio, o ex-ministro de Minas e Energia, da ditadura, Cesar Cals. O tio poderia seguir no Exército, mas preferiu deixar a carreira para “servir” ao ditador João Figueiredo, no posto de ministro.
Até o dia 8 de janeiro de 2023, Theophilo era comandante de Operações Terrestres (Coter) e, segundo a PF, cabia a ele o "emprego do Comando de Operações Especiais (COpESP)". Isso porque ele saindo com a sua tropa à frente do golpe, poderia solicitar a mesma postura de quantos comandos terrestres pelo país a fora lhe desse na telha. (O general Olympio Mourão não fez assim, em 1964?).
Daí por diante, vendo o graduado em apuros, Tomás Paiva, assim que assumiu o comando do Exército, substituindo o general Júlio Cesar Arruda (o que peitou o interventor Ricardo Capelli, na noite da depredação), trouxe para perto o general Estevam Theophilo, fazendo dele o seu chefe de gabinete, no Alto Comando, até novembro de 2023, quando, enfim, foi para a reserva sem sofrer um arranhão sequer. O general chegou ter envergadura para a ser cotado para assumir o Comando do Exército em 2022, mas acabou preterido pelo general Arruda.
Ficou ali, sem ser incomodado, até ser alcançado pela “Operação Tempus Veritatis”, deflagrada numa quinta-feira, dia 8 de fevereiro de 2024, pela Polícia Federal. Naquele dia, outros 16 militares foram alvos de busca e apreensão, todos agora condenados. Dentre os investigados estava o general de quatro estrelas Estevam Theophilo Gaspar Cals de Oliveira, que ainda fazia parte do Alto Comando do Exército. Uma desonra. Como cantaria Cartola, abismo que cavou com os próprios pés.
Tradição e erro
Como já escrevi aqui, no 247, Estevam é o mais novo dos 5 irmãos Theophilos (Henrique, coronel; Manuel, general; José, coronel; Guilherme, general; Alexandre, coronel). Todos optaram pela “artilharia”, uma das carreiras de formação na Academia Militar de Agulhas Negras (AMAN). Todos, filhos do General Theophilo, casado com a irmã do coronel César Cals, ministro da Ditadura. (https://www.brasil247.com/blog/ex-comandante-do-coter-que-se-dispos-a-liderar-8-de-janeiro-e-sobrinho-do-ex-ministro-cesar-cals ).
Manoel Theophilo Gaspar de Oliveira Filho é neto de Manoel Neto. Seu bisavô é Filho e homônimo de outros cinco Manoéis de sua árvore genealógica. As tradições da família Theophilo estão enraizadas no Brasil Império e se confundem com a história do Exército Brasileiro.
Para se ter ideia da importância e prestígio da família de Estevam Theophilo, basta saber que eles foram os únicos a ter autorização de usar barba no Exército. Daí porque uma reunião à noite, na casa do comandante Tomás Paiva, pode ter ido muito além de um simples acerto do modo como Jair – e quem é Jair, perto de tanta tradição? -, irá para a prisão.
Segundo informações colhidas no site Supreme Doc, o primeiro Manoel Theophilo (1816-1859) nasceu em Fortaleza (CE). Era filho de comerciante português e, no Brasil, foi político influente, prefeito de sua cidade natal em 1849.
Entre seus 14 filhos, escolheu um para dar o próprio nome. O segundo, Manoel (1849-1894) foi o primeiro militar da família. Como coronel, comandou a Guarda Nacional de Fortaleza. Depois foi para a política e presidiu a Câmara Municipal de Fortaleza até a Proclamação da República, em 1889.
O segundo Manoel teve o terceiro, Manoel Theophilo Gaspar de Oliveira Filho (1885-1941); como sua esposa não conseguia engravidar, Filho decidiu adotar o próprio sobrinho, Manoel Theophilo Neto (1924-2008), para manter a tradição.
Neto seguiu a carreira de toda a família e chegou a ser promovido a general em 1979, durante a ditadura militar.
Com o fim da Primeira Guerra Mundial, as normas internas do Exército passaram a proibir o uso de barba. A regra passou a entrar em vigor no Exército no fim da década de 1920, quando uma comitiva do Exército da França veio ao Brasil contratada para profissionalizar a Força brasileira. Foi só com a norma já estabelecida e fiscalizada que entrou nas fileiras do Exército, em Fortaleza, o cadete Manoel Theophilo (1950) — o quinto da família, quarto militar.
Um inquérito foi aberto para investigar a tradição barbada dos Theophilos. Pediram fotos, pinturas e os registros mais diversos, para comprovar que os pelos na cara seriam uma característica centenária.
“Considerando a arraigada e comprovada tradição familiar de cinco gerações, que obriga os varões com o mesmo nome do requerente a usar barba, dou o seguinte despacho: deferido, em caráter excepcional”, dizia o despacho de Albuquerque publicado no Boletim do Exército em 22 de março de 1982.
Se o despacho acima foi uma liberalidade para um dos Theophilos usarem barba, o voto de hoje, dado pelo ministro relator do processo que pune a trama golpista, Alexandre de Moraes, vai muito além. Salva, para o bem da tradição da família militar (contém ironia) um general que frequentou reuniões golpistas tanto quanto o almirante Almir Garnier (condenado a 24 anos de prisão no julgamento da trama golpista). Ao contrário de Garnier, o general se safou da condenação por cinco modalidades de crimes, que vão de organização criminosa, à tentativa de golpe de estado.
Na denúncia, a PGR acusou Theophilo de usar sua posição para apoiar ações golpistas, incentivar Jair Bolsonaro (PL) a assinar um decreto de ruptura institucional e aderir às articulações do grupo investigado.
A defesa sempre negou que ele tenha recebido qualquer proposta golpista ou relação com os atos de 8 de janeiro.
Moraes, em seu voto, concluiu que não há provas suficientes para a condenação. O ministro destacou que a acusação se apoia apenas no relato de Mauro Cid, ex-ajudante-de ordem de Bolsonaro, e em uma única mensagem apresentada por ele.
“Em que pesem os fortes indícios da participação do réu Estevam Theophilo, entendo não ser possível condená-lo com base em duas provas produzidas diretamente pelo colaborador premiado, sem comprovação independente”, afirmou Moraes.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




