De como encontrei Lô Borges, numa esquina
Sentada no meio fio estava toda a turma do Clube da Esquina. Milton Nascimento, Lô Borges, e os mineiros que começavam, àquela altura, a pôr o pé na profissão
Tinha 15 anos recém-completados. Os festivais de música eram a grande novidade e nossa turma, (como de resto todo jovem), era novidadeira. Embarcamos na aventura de compor música e nos inscrevemos no festival da cidade. Despretensiosamente, apenas para imitar o que se passava nos grandes centros. Para surpresa total, ficamos em segundo lugar com uma canção que já falava dos conflitos no Oriente Médio. Não bastava participar. Tinha que ser “pseuda” e enquadrar a composição no que na época era chamado de “música de protesto”. A plateia reagiu. Nos queria em primeiro, mas a música da colega de colégio, que tratava do cotidiano de um pescador, arrebatou o júri. Protestos mesmo, vinham das torcidas, que consideraram injusta, a escolha.
A música, que havia ficado em segundo, passou a receber convites para festivais regionais e foi assim que fomos parar em Valença, a simpática cidade do estado do Rio, no Vale do Paraíba, para nos apresentar à noite, no festival. Não tinha ideia da importância da missão.
Deixamos as malas no hotel e fomos dar o que hoje chamaríamos de “um rolê”. O “fomos” é por conta da generosidade do prefeito da cidade, que fretou um ônibus para que tivéssemos torcida. Do jardim para um bar próximo, foi um pulo. Fazia calor e queríamos um refrigerante. Surpresa. Sentada no meio fio estava toda a turma do Clube da Esquina. Milton Nascimento, Lô Borges, e os mineiros que começavam, àquela altura, a pôr o pé na profissão. Junto, estava D. Clementina (de Jesus), que como nós não queria água para beber. Preferiu também o refrigerante que nos levou até ali. Estava preocupada porque havia se esquecido de levar um pente, e participaria do show. Logo alguém da turma se prontificou a ir a uma farmácia próxima para comprar um pente “Flamingo” para quebrar o galho.
Vejo agora que o ano foi o que Borges e Milton se conheceram: 1969, quando deram início ao clube.
Enquanto isso, sob o sol, Milton de jeans clarinho, boné do mesmo tecido e da mesma cor, tomava alguma coisa que eu não consigo me lembrar, mas sim, pode ser uma cerveja, acompanhado da turma dos mineiros. Lô Borges era “gato”, - na época chamávamos de “pão” -, foi o que notamos. Logo estávamos todos enturmados, cantarolando, falando de coisas comuns, debaixo do sol. Nada de tietagem. As coisas eram mais simples, nessa época. Bastava falar de música e poesia. Eles estavam ali para fazer o show da noite, abrilhantando o festival. Indo aonde o povo estava. Nós, levados por mero acaso, nos encontramos naquela esquina, longe do clube, que ainda se transformaria no maior sucesso de suas vidas.
Hoje Lô Borges fechou aquela janela lateral. Eu abri as cortinas do passado para buscar essa lembrança, tão prosaica quanto singela. A vida pode ser mágica. (A propósito, a música ficou em terceiro lugar. Na frente de uma canção de Zé Rodrix, que também concorria. Acreditem).
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




