O Brasil na vanguarda da reconfiguração econômica global: do ativo ambiental à economia do usar
A questão não é parar de produzir, mas produzir de forma inteligente e integrada
A discussão sobre o futuro da economia brasileira e global frequentemente se divide entre visões que opõem desenvolvimento e preservação. Um exemplo disso é a atitude destrutiva dos nossos políticos ligados ao império dos Estados Unidos, aqui representados por uma direita acéfala. Uma análise mais profunda revela que estamos no limiar de uma reconfiguração geopolítica e econômica na qual o Brasil possui vantagens comparativas absolutas, desde que adote uma postura estratégica e pragmática. Este artigo sintetiza uma visão que integra a valorização do patrimônio ambiental à transição para uma economia de serviços e à modernização industrial, traçando um caminho singular para o desenvolvimento nacional. Torna-se crucial que atitudes como a do Senador Alcolumbre, revogando os cinquenta e dois vetos impostos por Lula ao PL da Devastação, fiquem num passado de que o Congresso não há de se orgulhar.
O ponto de partida é o reconhecimento do capital natural como o ativo mais subvalorizado do Brasil. A Amazônia e outros biomas não são meros estorvos a serem preservados por obrigação moral; são ativos econômicos colossalmente poderosos. A regulação global do mercado de carbono, uma tendência inexorável capitaneada por nós, transformará esses ativos em commodities financeiras de altíssimo valor. Países detentores de florestas tropicais, como Brasil, nações da América Central e da África, passarão de nações em desenvolvimento a credores ambientais. Esta posição lhes conferirá o poder de vender créditos de carbono para as potências industriais históricas, que são as grandes devedoras ambientais.
Esta dinâmica pode desencadear uma redistribuição de riqueza global. O negacionismo climático de algumas potências tradicionais, a que nossa direita acéfala aderiu, não é mera ignorância; é uma estratégia geopolítica para retardar a valorização deste novo ativo, que desfavorece o paradigma econômico atual. A China, por outro lado, percebeu este jogo. Ao aderir ativamente a este mercado, ela pode transformar sua condição de maior emissora atual em uma posição de liderança, comprando créditos de carbono e, assim, transferindo parte de sua riqueza para formar um bloco estratégico com os países credores. Este bloco, unindo capacidade industrial chinesa a alimentos, energia e estabilidade climática fornecidos por outras nações, se tornaria autossuficiente e redesenharia o mapa de poder global.
Para o Brasil, a receita gerada por este novo ativo deve ser democratizada. O usufruto do patrimônio ambiental precisa chegar ao cidadão. Isto pode ser feito através de mecanismos como um dividendo ambiental direto ou pagamentos por serviços ambientais a comunidades tradicionais. Esta renda verde, por sua vez, permitirá à população aumentar seu consumo de serviços — como saúde, educação, cultura e mobilidade — sem depender de um consumo material predatório. Aqui, conectamos o ativo ambiental com a próxima grande transição: a passagem da economia do ter para a economia do usar.
A economia do usar, ou serviciificação, é um paradigma em que o acesso a um serviço vale mais do que a posse de um bem. A uberização, apesar de suas questões trabalhistas, é um exemplo desta lógica aplicada ao transporte. A computação em nuvem é outro: por que comprar um supercomputador se a capacidade de processamento pode ser acessada como serviço? Este modelo é intrinsecamente menos agressivo ao ambiente, pois promove a desmaterialização e a eficiência no uso de recursos. Um carro compartilhado substitui diversos carros particulares; um avião projetado para durar décadas, com seu "miolo" modernizado periodicamente, evita a fabricação de uma nova fuselagem.
Contudo, não sejamos ingênuos. Esta transição não significa o fim da indústria ou da produção de commodities. Pelo contrário, o Brasil continuará e deve ampliar sua produção, mas com um novo nível de sofisticação. A questão não é parar de produzir, mas produzir de forma inteligente e integrada. O petróleo do pré-sal, por exemplo, não será primariamente queimado como combustível, mas refinado para a produção de polímeros e materiais compostos de alta performance. Estes materiais serão a base para os bens duráveis da economia do usar, aumentando a vida útil dos produtos e sequestrando carbono em sua estrutura.
A peça final que sustenta esta visão é a construção de uma economia ambiental robustamente regulada. Uma regulação clara e confiável é o que transforma ativos ambientais em derivativos financeiros líquidos e seguros. Créditos de carbono, títulos verdes lastreados em florestas e mecanismos de pagamento por serviços ecossistêmicos podem se tornar parte significativa do mercado de capitais, atraindo investimentos globais que financiarão justamente a indústria de ponta e a infraestrutura de qualidade de que o país precisa.
Dessa forma, fecha-se um ciclo virtuoso: os recursos naturais, usados de forma circular, produzem bens duráveis e materiais avançados; a preservação dos biomas gera créditos de carbono que lastreiam um mercado de capitais verde; e este mercado financia a indústria de ponta, que sustenta uma economia de serviços de alto nível. Esta não é uma visão utópica, mas a única rota realista para um país continental como o Brasil ascender, finalmente, ao status de potência desenvolvida no século XXI, liderando com seu exemplo a síntese entre prosperidade material e integridade planetária.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




