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Emir Sader

Colunista do 247, Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros

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O elo mais frágil da cadeia neoliberal

Foi pela via do combate à inflação que a agenda neoliberal se insinuou no continente latino-americano

Homem caminha perto de logo do FMI na sede do Fundo, em Washington, D.C., EUA - 12/10/2022 (Foto: REUTERS/James Lawler Duggan)

A América Latina se tornou o elo mais frágil da cadeia neoliberal, com a generalização de governos neoliberais desde a última década do século passado. Praticamente todos os países – à exceção de Cuba – tiveram modalidades de governos neoliberais.

A prioridade dos ajustes fiscais se alastrou pelo continente, não poupando tampouco às forças que até ali eram social-democratas e nacionalistas. Foi pela via do combate à inflação que a agenda neoliberal se insinuou no continente.

O discurso do ajuste fiscal como prioridade, da necessidade supostamente incontornável de “fazer os deveres de casa”, isto é, colocar as contas do Estado em dia, a qualquer preço, surgia como consensual, incluindo no FMI, como reprodutor das condições de endividamento, de recessão e de desemprego, e não um fator de apoio e de solução das crises.

Fazer o “dever de casa” era renunciar a qualquer diagnóstico que incorporasse as condições de intercâmbio desigual, de endividamento permanente, de dependência, como fatores regressivos da situação dos países do continente.

O endividamento não era resultado das escorchantes taxas de juros internacionais, manipuladas por quem controlava o mercado, mas “resultado dos gastos excessivos do Estado, que desembocam na inflação” – pedra de toque do diagnóstico neoliberal e prioridade de combate para esse modelo.

O consenso começou a ser afetado pela crise mexicana, de 1994, pela brasileira, de 1999, e pela argentina, de 2001/2002, crises tipicamente neoliberais que afetaram profundamente as três maiores economias latino-americanas. Ainda assim, em 2002, quando George Bush propunha a Area de Livre Comércio da Américas (Alca), havia amplo consenso em torno do neoliberalismo e do livre comércio. Tanto assim que houve discursos eloquentes na reunião, até que Bush afirmou que, para facilitar a decisão, só se manifestasse que estivesse contra a Alca. O único que levantou a mão naquela reunião foi Hugo Chavez.

FHC, Fujimori, Menem e todos os outros permaneceram, subservientemente, quietos, aprovando a Alca, que, para se concretizar, necessitava apenas que os governos dos Estados Unidos e do Brasil formulassem os termos definitivos do tratado.

Daí a alegria com que Chavez veio ao Brasil para a posse do Lula como presidente do Brasil. Foi, a partir daí, se constituindo um grupo de governos eleitos pela rejeição ao neoliberalismo. Lula e Nestor Kirchner foram à posse de Tabaré Vazquez, no Uruguai, um ano depois. Em dois anos – de 2002 a 2004 – o panorama politico da região começava a mudar radicalmente, passando de governos neoliberais a governos antineoliberais.

Justamente por ter tido uma década frontalmente neoliberal que a América Latina se transformou no elo mais frágil da cadeia neoliberal ao longo deste século, como resultado do fracasso dos governos que haviam aplicado o modelo neoliberal. Houve crise, recessão, aumento das desigualdades e do desemprego em todos eles.

A região passou a viver, de forma inédita a confluência da maioria dos seus governos como progressistas, com projetos similares, aliados entre si apesar do contexto internacional adverso. E nunca os Estados Unidos passaram a estar tão isolados no continente, até porque as apostas do governo norte-americano – Chile, Colômbia e México – também fracassaram.

Ao final desse processo, a América Latina conta com um conjunto de países democráticos e antineoliberais, liderados pelo Brasil e pelo México, dois dos seus três países mais importantes, enquanto a Argentina permanece isolada – seus aliados são de fora do continente: os Estados Unidos e Israel – com seu modelo de Estado mínimo e de economia neoliberal.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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