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Pepe Escobar

Pepe Escobar é jornalista e correspondente de várias publicações internacionais

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O Grande Jogo Novo volta ao básico

A aliança Rússia-China-Irã segura o touro afegão pelos chifres

(Foto: Fardin Waezi/Unama)
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Por Pepe Escobar, para o Asia Times

Tradução de Patricia Zimbres, para o 247

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O chanceler chinês Wang Yi vai passar a semana num tour da Ásia Central. Ele vai visitar o Turcomenistão, o Tajiquistão e o Uzbequistão. Esses dois últimos são membros plenos da Organização de Cooperação de Xangai (OCX), fundada há vinte anos. 

Os pesos-pesados da OCX, obviamente, são a China e a Rússia. Além deles, há quatro "istãos" da Ásia Central (com a exceção do Turcomenistão), a Índia e o Paquistão. É importante notar que o Afeganistão e o Irã são observadores, juntamente com a Bielorússia e a Mongólia.  

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E isso nos leva ao que vai acontecer nesta quarta-feira 14, em Dushanbe, a capital tajique. A OCX irá realizar uma reunião 3 em 1: encontros do Conselho dos Ministros da Relações Exteriores; o Grupo de Contato OCX-Afeganistão; e uma conferência intitulada "Ásia Central e do Sul: Conectividade Regional, Desafios e Oportunidades". 

Na mesma mesa, portanto, estarão Wang Yi, seu parceiro estratégico muito próximo Sergey Lavrov e, principalmente, o Chanceler do Afeganistão, Mohammad Haneef Atmar, debatendo as dificuldades e tribulações subsequentes à retirada do Hegêmona e ao vergonhoso colapso do mito da "estabilização do Afeganistão pela OTAN.

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Imaginemos um cenário possível: Wang Yi e Lavrov dizem a Atmar, em termos nada vagos, que terá que haver um acordo de reconciliação nacional com o Talibã, negociado pela China e pela Rússia, sem qualquer interferência dos Estados Unidos, e que esse acordo inclua o fim do caminho de rato de ópio-heroína. Rússia e China extraem do Talibã uma firme promessa de que eles não permitirão que o jihadismo se intensifique. O passo final: montanhas de investimentos produtivos, o Afeganistão é incorporado à ICR e, mais adiante, à União Econômica Eurasiana (EAEU).  

A declaração conjunta da OCX, a ser divulgada na quarta-feira, será particularmente esclarecedora, pois talvez venha a detalhar de que modo a organização planeja coordenar um futuro processo de paz de fato no Afeganistão. A OCX tem agora a oportunidade de implementar o que  há anos já vem discutindo: que só uma solução asiática faz sentido para o drama afegão. 

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Sun Zhuangzhi, diretor-executivo do Centro de Pesquisa Chinês da OCX, resume a situação: a organização é capaz de propor um plano que inclua estabilidade política, desenvolvimento econômico e de segurança e um mapa de trajeto para projetos de desenvolvimento de infraestrutura. 

O Talibã concorda. O porta-voz Suhail Shaheen enfatizou que "a China é um país amigo que é bem-vindo na reconstrução e no desenvolvimento do Afeganistão. 

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De volta à Rota da Seda 

Além da interconectividade econômica incentivada por Pequim desde inícios dos anos 2000, há a necessidade de lutar contra os "três males": terrorismo, separatismo e extremismo. Todos os membros da OCX têm pleno conhecimento das metástases jihadistas que ameaçam a Ásia Central - desde o ISIS-Khorasan a obscuras facções uigures que atualmente lutam em Idlib, na Síria, e também o (decadente)  Movimento Islâmico do Uzbequistão (MIU). 

O Talibã é um caso muito mais complexo. Ele ainda é considerado uma organização terrorista por Moscou. Mas no novo tabuleiro em rápida evolução, tanto Moscou quanto Pequim sabem da importância de engajar o Talibã em diplomacia de altos riscos. 

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Wang Yi já deixou clara para Islamabad - o Paquistão é membro da OCX - a necessidade de estabelecer um mecanismo trilateral com Pequim e Cabul, a fim de fazer avançar uma solução política factível para o Afeganistão na administração da frente de segurança.

Aqui, do ponto de vista da China, trata-se principalmente do Corredor Econômico China-Paquistão (CECP) em seus múltiplos níveis, ao qual Pequim planeja incorporar Cabul (aqui vai uma atualização detalhadas dos avanços da CECP).

Entre seus elementos constitutivos inclúi-se o acordo firmado entre a China Telecom e a Telecom Afegã já em 2017, com vistas à construção de um sistema de fibra ótica Kashgar-Faizabad, e em seguida expandi-lo em direção  ao sistema China-Quirgistão-Tajiquistão-Afeganistão da Rota da Seda.   

Diretamente ligado a esse acordo está um outro, assinado em fevereiro entre Islamabad, Cabul e Tashkent, para a construção de uma ferrovia que poderá de fato estabelecer o Afeganistão como o principal cruzamento entre a Ásia Central e do Sul. Podem chamá-la de corredor OCX. 

Tudo o que foi descrito acima foi solidificado em uma reunião trilateral ocorrida no mês passado entre os chanceleres da China-Paquistão-Afeganistão. A Equipe de Ghani, em Cabul, reiterou seu interesse em se conectar à ICR - o que, na prática, se traduz como a expansão do Corredor Econômico China-Paquistão. O Talibã disse exatamente o mesmo na semana passada. 

Wang Yi sabe perfeitamente que é inevitável que o jihadismo venha a tomar o CECP como alvo. Mas não o Talibã. Nem o Talibã paquistanês, uma vez que diversos projetos (fibra ótica, por exemplo) irão fortalecer a infraestrutura em Peshawar e redondezas. 

O Afeganistão economicamente conectado com o CECP, como um nó de importância crucial nas Novas Rotas da Seda, não poderia fazer mais sentido, até mesmo em termos históricos, uma vez que o Afeganistão sempre se conectou com as Antigas Rotas da Seda. O Cruzamento Afeganistão é o elo faltante na equação da conectividade entre a China e a Ásia Central. O diabo, como sempre, estará nos detalhes. 

A equação iraniana

Então, para o Ocidente, há a equação iraniana. A recentemente solidificada parceria estratégica Irã-China pode futuramente levar a uma integração mais próxima com o CECP expandido para o Afeganistão. O Talibã tem aguda consciência desse fato. Como parte de sua atual ofensiva diplomática, eles estiveram em Teerã e deram todos os sinais corretos quanto a uma solução política. 

Sua declaração conjunta com o chanceler iraniano Javad Zarif privilegia as negociações com Cabul. O Talibã compromete-se a não atacar civis, escolas, mesquitas, hospitais e OnGs. 

Teerã – observadora na OCX e em vias de se tornar membro pleno - vem mantendo intensas conversas com todos os atores afegãos: nada menos que quatro delegações visitaram o Irã na semana passada. O chefe da equipe de Cabul foi o ex vice-presidente afegão Yunus Qanooni (também, anteriormente, um chefe de facção guerreira), e a de Teerã foi Sher Mohammad Abbas Stanikzai, que dirige o escritório político em Doha. Tudo isso sugere que o assunto é sério.

Já há 780.000 refugiados afegãos registrados no Irã, vivendo em aldeias de refugiados ao longo da fronteira, e sem permissão para se estabelecerem nas grandes cidades, mas há também cerca de 2,5 milhões de refugiados ilegais. Não é de admirar que Teerã tenha que prestar atenção. Zarif, aqui também, está em perfeita sintonia com Lavrov – e com Wang Yi, por sinal: uma guerra de atritos contínuos entre Cabul e Teerã só poderá levar a consequências "desfavoráveis". 

A questão, para Teerã, gira em torno de qual estrutura seria ideal para as negociações. Isso apontaria para a OCX. Afinal, já faz dois anos que Teerã não participa mais do lento mecanismo de Doha. Como lidar na prática com a nova equação afegã é objeto de debates acalorados em Teerã. Como vi pessoalmente em Mashhad, há menos de três anos, as migrações proveniente do Afeganistão - desta vez de trabalhadores qualificados fugindo do avanço do Talibã - pode mesmo vir a ser benéfica para a economia iraniana. 

O sempre muito composto diretor-geral do departamento da Ásia Ocidental do Ministério das Relações Exteriores iraniano, Rasoul Mousavi, vai direto ao ponto: "O Talibã vem do povo afegão. Eles não são separados da sociedade tradicional do Afeganistão, e sempre foram parte dela. Além do mais, eles têm poder militar".   

No oeste do Afeganistão, em Herat - ligada por um corredor rodoviário muito movimentado através da fronteira até Mashhad – as coisas são mais complicadas. O Talibã agora controla a maior parte da província de Herat, além de dois distritos.

O lendário chefe de facção guerreira local, Ismail Khan, hoje com setenta e poucos anos e uma carregada história de lutas contra o Talibã, empregou milícias para guardar a cidade, o aeroporto e as redondezas. 

Mas o Talibã já garantiu, em conversas diplomáticas com China, Rússia e Irã, que não está planejando "invadir" ninguém - seja o Irã, ou os "istãos" da Ásia Central. O porta-voz do Talibã, Suhail Shaheen, afirmou categoricamente que o comércio através de fronteiras em diferentes latitudes, de Islam Quilo (Irã) a Torghundi (Turcomenistão) e através do norte do Tajiquistão "continuará aberto e em funcionamento". 

Aquela retirada sem retirada 

Em uma situação que muda rapidamente, o Talibã agora controla pelo menos metade dos 400 distritos do Afeganistão; eles agora "contestam" dezenas de outros, policiando algumas rodovias importantes (é impossível viajar pela estrada que vai de Cabul a Kandahar, por exemplo, sem passar por pontos de inspeção do Talibã), e não controlam nenhuma das principais cidades. Ainda. Ao menos 15 das 34 capitais regionais – inclusive a estratégica Mazar-i-Sharif - estão cercadas.  

A mídia afegã, sempre muito ativa, começou a fazer algumas perguntas difíceis. Como, por exemplo, que o ISIS/Daesh não existia no Iraque antes da invasão e ocupação pelos Estados Unidos em 2003; e então, recentemente, o ISIS-Khorasan surgiu bem debaixo do nariz da OTAN.

Dentro da OCX, segundo me contaram diplomatas, há grandes suspeitas de que a agenda do Deep State dos Estados Unidos seja a de jogar lenha da fogueira de uma iminente guerra do Afeganistão, e então estendê-la aos "istãos" centro-asiáticos. Outro ponto dessa agenda trata de suspeitíssimos comandos jihadi misturados a uigures que tentam desestabilizar Xinjiang.   

Sendo esse o caso, a retirada sem retirada - o que mais seria, com todos aqueles 18 mil terceirizados/mercenários, somados às Forças Especiais  e agentes de operações clandestinas da CIA - seria um acobertamento que permitiria a Washington urdir uma nova narrativa: o governo de Cabul nos convidou para lutar contra o ressurgimento do "terrorismo" e evitar uma espiral de violência que levaria à guerra civil. 

Esse prolongado final de jogo pareceria, ao Deep State e a seu braço europeu da OTAN, uma Guerra Híbrida vantajosa para todos. Bem, é melhor ir com calma. O Talibã já advertiu todos os "istãos", em termos nem um pouco incertos, quanto a aceitar bases militares dos Estados Unidos. E até mesmo Hamid Karzai afirmou publicamente: chega de interferência norte-americana.

Todos esses cenários serão discutidos em detalhes nesta quarta-feira, em Dushanbe. E também o lado bom: a agora perfeitamente praticável futura incorporação do Afeganistão nas Novas Rotas da Seda. Voltando ao básico: o Afeganistão volta em grande estilo ao coração do Grande Jogo Novo do século XXI. 

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