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Pedro Paiva

Jornalista, mora em Nova York. Foi produtor e repórter do América News, jornal do canal internacional da Globo feito para a comunidade brasileiros nos Estados Unidos. É colaborador da Revista Híbrida e da USBRTV nos Estados Unidos. Acompanha a política estadunidense e outros temas importantes do país

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O imigrante que vai à guerra contra Trump

Socialista, muçulmano e com apenas 34 anos, Zohran Mamdani é o pior pesadelo de Donald Trump

Zohran Mamdani (Foto: Reuters/Jeenah Moon)

“Nova York seguirá sendo uma cidade de imigrantes. Uma cidade construída por imigrantes, movida por imigrantes e, a partir desta noite, liderada por um imigrante". Foram com essas palavras que Zohran Mamdani celebrou a vitória ontem na prefeitura da maior cidade dos Estados Unidos.

Socialista, muçulmano e nascido em Uganda, Mamdani se tornou o prefeito mais jovem da cidade desde 1892. Ele será responsável por um orçamento anual de aproximadamente US$ 116 bilhões, o equivalente a R$ 626 bilhões — quase o dobro do orçamento do estado de São Paulo.

Mas Zohran não venceu as eleições por ser jovem, nem mesmo por fazer bons vídeos para as redes sociais, como insinua parte da mídia nos Estados Unidos. O socialista foi eleito por suas ideias, combinadas a uma população cansada da desigualdade gritante da cidade mais rica do mundo.

No início das prévias democratas, Mamdani mal pontuava nas pesquisas eleitorais. Deputado estadual desde 2021, sua campanha ganhou tração ao se comunicar com a maioria, abordando os problemas diários enfrentados pelos nova-iorquinos. Mamdani não abriu mão de suas posições em relação às pautas de costumes, mas não fez campanha com base em termos vazios e elitizados como “representatividade” — preferiu focar no custo de vida. Ele optou por pautas que somam, não pelas que dividem.

O aluguel médio em Nova York está em torno de US$ 3.100 por mês, enquanto o salário líquido das famílias fica pouco acima dos US$ 5 mil. Quando se soma a isso o custo do supermercado (que aumenta a cada dia), das creches e do transporte, não sobra quase nada — ou, em muitos casos, falta.

Zohran soube apresentar propostas que dialogam com essa cidade: passe livre nos ônibus, congelamento dos aluguéis, creches gratuitas e até mesmo supermercados municipais com preços baixos. A pergunta dos opositores foi a mesma de sempre: “mas quem vai pagar a conta?” A resposta foi simples: os bilionários. Só na cidade de Nova York vivem 123 deles, mais que o dobro do total no Brasil inteiro. O novo prefeito quer taxar em 2% todos aqueles que ganham mais de US$ 1 milhão ao ano, o equivalente a R$ 448.700 por mês.

Mas a vitória de Zohran Mamdani é, acima de tudo, uma derrota para Donald Trump, atual presidente dos Estados Unidos. O presidente conseguiu, nos últimos anos, capturar o eleitorado de classe baixa, cansado de ver a qualidade de vida cair graças às políticas neoliberais defendidas pelos democratas. Trump prometeu reduzir o custo de vida na eleição do ano passado e trazer de volta aos EUA empregos bem pagos. Até agora, no entanto, nada disso aconteceu. A inflação subiu, os empregos não chegaram e apenas os bilionários se beneficiaram com grandes isenções fiscais.

Sob o comando da maior cidade do país, Mamdani tem agora a oportunidade de provar como atender, de fato, às demandas do americano médio. O laboratório de Nova York pode ter impacto no restante do país, principalmente na disputa interna do Partido Democrata. Se antes a ala mais à direita do partido afirmava que os progressistas não dialogavam com a maioria, a noite de ontem provou o contrário.

Acima de tudo, e antes mesmo de tomar posse, Mamdani já é o anti-Trump. De um lado, o menino rico que recebeu tudo de mão beijada, representação do privilégio estampado nos uniformes aristocráticos das caríssimas escolas particulares do Upper East Side. Do outro, um jovem imigrante do Queens que, com determinação, chegou ao topo — uma história de sucesso que remete ao “sonho americano” e à esperança pulsante de todo nova-iorquino de que esta é a cidade onde tudo é possível.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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