O Rio de Janeiro e a caça às bruxas
Enquanto o mundo brinca com fantasmas e abóboras imaginárias na semana do Dia das Bruxas, o Rio de Janeiro enfrenta os seus próprios demônios
Enquanto o mundo brinca com fantasmas e abóboras imaginárias na semana do Dia das Bruxas, o Rio de Janeiro enfrenta os seus próprios demônios. O dia 28 de outubro ficará marcado para sempre na memória coletiva da nossa gente. Nesta semana, os Complexos do Alemão e da Penha viveram a operação mais letal da história do estado do Rio de Janeiro. Um verdadeiro banho de sangue, que transformou comunidades inteiras em zonas de guerra. Enquanto o governo estadual, liderado pelo bolsonarista Cláudio Castro, do Partido Liberal, com a maior bancada da Assembleia Legislativa e três senadores, celebrava a ação como demonstração de força, a periferia se via desesperada diante de um show de horrores. Um espetáculo macabro que resultou na morte de mais de 120 pessoas, incluindo policiais. Crianças e adolescentes assistiram uma chacina de uma dimensão nunca antes vista. Moradores amanheceram em desespero recolhendo os corpos de entes queridos.
Como vereador do Rio de Janeiro, presidente da Comissão Especial das Favelas e morador do Morro do Urubu até meus 13 anos de idade, sinto que não posso me calar. Conheço na pele o sentimento de terror e de medo vivido por um morador da periferia. Na manhã seguinte à operação, pude ver nos olhos de cada uma das pessoas presentes o peso de uma dor que não cabe em palavras. Nunca vou esquecer de tantos corpos empilhados, como se a vida na favela valesse menos. Tamanha brutalidade superou todos os registros anteriores, ultrapassando as chacinas do Jacarezinho e do Carandiru. Entre os mortos, a maioria jovens negros de 15 a 29 anos, justamente aqueles que deveriam ser prioridade de políticas de inclusão e proteção social. Dados do Atlas da Violência divulgado este ano, confirmam mais uma vez, a realidade sabida por todos, de um Brasil profundamente marcado pelas cicatrizes da escravidão e por tantas desigualdades sociais: pessoas negras são 77% das vítimas de assassinatos no Brasil.
Enquanto isso, Cláudio Castro, no auge de sua incompetência, tenta terceirizar responsabilidades, culpando o presidente Lula. O governo federal vem fazendo sua parte, ao contrário de Jair Bolsonaro, que quando ocupou o Palácio do Planalto, interferiu politicamente na corporação para acobertar os crimes de sua família. Foi no governo Lula, em agosto deste ano, que a PF realizou a maior operação de sua história, mostrando que o crime organizado atua até mesmo na Faria Lima, no coração financeiro do Brasil. É importante lembrar: as armas e as drogas não nascem nas favelas. É preciso investigação, inteligência e mecanismos internos de prevenção e combate à corrupção. É preciso valorizar o servidor público, ao contrário do que faz Cláudio Castro.
O governo federal está encarando o problema da segurança pública com seriedade ao propor uma PEC justamente integrar os níveis municipal, estadual e federal de segurança, padronizar protocolos e fortalecer o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP). Mas Cláudio Castro critica a proposta e prefere transferir responsabilidades, sem assumir que o modelo de segurança que está sob seu comando é um fracasso. É um governador que não pensa nas vidas, mas sim em vencer a próxima eleição.
A operação de ontem reforça o que já sabemos: os jovens negros da periferia continuam sendo tratados como inimigos do Estado. A favela deixa de ser território de vida e se torna alvo. Segurança verdadeira não se mede por blindados ou número de mortos; ela se mede pelo bem-estar das pessoas e pela proteção da vida. É urgente pensar um novo modelo de segurança pública para esse estado. A eleição de 2026, em todos os níveis, será a mais importante dos últimos tempos.
Não vivemos tempos normais. A barbaridade foi institucionalizada como projeto político. É preciso tirar essa extrema-direita hipócrita, que quer massacrar o pobre, mas ignora os 30 kg de maconha apreendidos com um primo de Nikolas Ferreira. A mesma extrema-direita que não cita os 117 fuzis apreendidos na casa de um amigo de Ronnie Lessa, assassino confesso da vereadora Marielle Franco.
Como parlamentar, vejo que a indignação deve se transformar em ação. Precisamos exigir transparência, responsabilização e políticas preventivas. É necessário, acima de tudo, dar protagonismo às comunidades, reconhecendo que os próprios moradores conhecem melhor do que qualquer autoridade como cuidar de si mesmos. É justamente para esse propósito que idealizei a Comissão Especial das Favelas, para dar protagonismo as periferias. Para que possamos levar esperança de um amanhã melhor.
Segurança não é espetáculo de força nem extermínio disfarçado de combate ao crime. Segurança é proteger vidas, garantir dignidade e construir esperança. Por isso, defendo políticas públicas efetivas, estruturantes e inclusivas, capazes de transformar o Rio de Janeiro em um lugar onde a favela seja lugar de oportunidade.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




