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Heba Ayyad

Jornalista internacional e escritora palestina-brasileira

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O Sudão enfrenta um colapso humanitário

As ambições sobre o Sudão das potências ocidentais e regionais que buscam dividir a região e controlar seus recursos não são novas

Homem passa por edifício danificado durante combates em Cartum, Sudão (Foto: REUTERS/Mohamed Nureldin Abdallah)
  • Ainda existe alguém cujo coração não tenha sido dilacerado pelo que está acontecendo diante de nossos olhos no Sudão?
  • Nas últimas 48 horas, mais de duas mil vidas inocentes foram perdidas — a maioria civis, especialmente mulheres e crianças.
  • Que tipo de selvageria é essa? Que tipo de barbárie e crueldade é essa?

O que está acontecendo no Sudão nos lembra o que ocorre em Gaza: uma campanha sistemática de genocídio e limpeza étnica, diante dos olhos do mundo inteiro. Aqueles que cometem esses massacres não podem ter qualquer resquício de humanidade, tampouco podem ser considerados muçulmanos sob nenhuma circunstância. São gangues e grupos de interesse que exploram os recursos naturais do país, saqueiam suas riquezas, não demonstram qualquer consideração por seu povo e lucram com a fragmentação da nação. Na realidade, são meros instrumentos humanos representando os poderes que os controlam. Cada imagem e cada vídeo vindos do Sudão revelam essa verdade com uma clareza chocante.

O Sudão, com seu petróleo, ouro e abundantes recursos minerais — como ferro, cobre, cromo, zinco e chumbo — além de suas férteis terras agrícolas, há muito é alvo de ambições coloniais e interesses corruptos. A história está repleta de exemplos: a secessão do Sudão do Sul em 2011 e, hoje, as ameaças de partição de Darfur. Essa geografia tornou-se palco de cálculos políticos estrangeiros, políticas de “dividir para governar” e esquemas de partilha de recursos.

As ambições das potências ocidentais e regionais que buscam dividir a região e controlar seus recursos não são novas. Táticas empregadas ao longo da história em outros contextos estão sendo aplicadas hoje no Sudão: apoio e armamento de movimentos separatistas, manipulação de forças locais. Já não é mais segredo quem está por trás dessas operações nem quais interesses geopolíticos as impulsionam.

Também não é segredo que as potências coloniais ocidentais — como parte de uma estratégia regional da qual Israel participa — planejam há décadas dividir os recursos naturais da África, especialmente a riqueza subterrânea do Sudão. Hoje, embora Israel apoie indiretamente algumas milícias separatistas sudanesas por meio de países aliados, os mentores por trás dessas redes e interesses são amplamente conhecidos. Documentos de arquivo confirmam que Israel começou a armar e treinar movimentos separatistas no Sudão já em 1955.

Uma das fontes mais proeminentes que revelam claramente esse fato é um livro publicado em 2003 pelo Centro Moshe Dayan para Estudos do Oriente Médio e da África, da Universidade de Tel Aviv, intitulado Israel e o Movimento de Libertação do Sudão: O Ponto de Partida e o Estágio do Movimento, de autoria de Moshe Farchi, ex-chefe do Mossad.

Essa obra, escrita em hebraico e com aproximadamente cem páginas, explica como Israel manipulou a dinâmica interna do Sudão. O próprio Farchi participou do braço militar da unidade israelense que apoiava as forças separatistas lideradas por John Garang, que lutou durante anos contra o governo de Cartum.

Hoje, o Sudão — que já foi o maior país da África — é uma nação dilacerada pela divisão e pela fragmentação.  

A terra fértil do Nilo, legado do antigo Reino de Kush e pátria de Luqman, o Sábio, vive um dos capítulos mais sombrios de sua história. A milícia terrorista conhecida como Forças de Apoio Rápido (RSF), alimentada por forças que buscam desmantelar o Sudão, ataca civis indiscriminadamente — incluindo crianças e mulheres —, incendeia cidades e vilarejos e desloca populações à força. O que está acontecendo no Sudão não é apenas uma guerra civil; é a face moderna do colonialismo global, do sionismo e do imperialismo. O jogo de “dividir para governar”, praticado por Israel e seus aliados ocidentais no coração da África, deixou uma profunda ferida na consciência da humanidade. Nenhum povo dotado de consciência pode permanecer em silêncio diante desses massacres.

A Turquia, o Catar, a Arábia Saudita e muitos outros países condenaram os ataques nos termos mais veementes, o que representa um passo importante — mas ainda insuficiente. Palavras não bastam. Os países islâmicos, as nações da região e as organizações da sociedade civil devem adotar medidas concretas e práticas. Grupos terroristas como as Forças de Apoio Rápido (RSF) precisam ser isolados por meio de pressão internacional, sanções, embargos de armas, monitoramento financeiro e ações legais. Permanecer inerte enquanto o Sudão é saqueado e seu povo exterminado constitui um crime compartilhado contra a humanidade.

Nenhuma consciência pode aceitar a destruição do belo Sudão diante de nossos olhos. O valor da vida humana transcende todas as considerações étnicas e ideológicas. Aqueles que permanecem em silêncio hoje serão cúmplices no acerto de contas moral de amanhã. Países islâmicos, organizações internacionais, instituições de direitos humanos — e cada um de nós — devem adotar medidas urgentes, eficazes e significativas em prol do Sudão. A mera condenação não basta: mecanismos de solidariedade, proteção e responsabilização devem ser ativados imediatamente.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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