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Jair de Souza

Economista formado pela UFRJ, mestre em linguística também pela UFRJ

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Para enfrentar e derrotar as falácias da extrema direita

Não é nenhuma raridade nos depararmos com integrantes dos setores mais humildes da sociedade seguindo as orientações de certas igrejas

Evangelicos (Foto: Pixabay)

Em todas as sociedades estruturadas à base de classes antagônicas, os grupos hegemônicos sempre se constituem em um percentual bem reduzido da totalidade da população. No Brasil, notoriamente um dos países com os mais elevados índices de desigualdade social do planeta, a coisa não poderia ser diferente.

Entretanto, justamente por serem inexpressivas em termos numéricos, as classes dominantes precisam encontrar formas para angariar apoio entre o restante majoritário da população, para, desta maneira, assegurar certa estabilidade do sistema e poderem seguir usufruindo de seus privilégios. Em momentos de crises mais intensas, também se intensifica o processo de cooptação política de elementos dos setores populares para colocá-los na linha de choque da preservação das estruturas de exploração capitalista. Neste processo, a hipocrisia se torna uma das mais importantes ferramentas da política.

Seguramente, os grupos oligárquicos jamais conseguiriam convencer uma quantidade expressiva de pessoas do campo popular a defender suas pautas, se recorressem a discursos em que os objetivos e intenções dos dominadores estivessem nitidamente indicados. Por isso, seus agentes políticos precisam lançar mão de estratagemas nos quais seus interesses específicos e exclusivos não sejam facilmente detectados. Para tal efeito, é preciso que as massas acreditem que aquilo é válido essencialmente para elas.

Em nosso país, dentre as várias consignas que têm sido levantadas com propósito de manter as maiorias afastadas de lutas por reivindicações de melhoria concreta de seu nível de vida, nas últimas décadas, as mais destacadas vêm se referindo a questões como: a defesa da família e da moralidade; a luta contra a corrupção; a exaltação de nossa bandeira e nossos símbolos nacionais; o combate implacável à criminalidade; a fidelidade aos preceitos do cristianismo.

Nesta oportunidade, gostaria de avançar em uma reflexão concernente ao item listado ao final, ou seja, quero abordar a questão do uso manipulativo feito a partir de uma interpretação distorcida do cristianismo.

Há muito tempo a religião tem servido como um potente instrumento de manipulação ideológica junto às massas carentes, tanto para atenuar o nível de sua revolta por seu estado de penúria como para redirecionar sua ira contra os que apareçam no cenário com pretensões de lutar contra as causas e os causadores de seu infortúnio. Devido a isto, não é nenhuma raridade nos depararmos com integrantes dos setores mais humildes da sociedade seguindo as orientações de certas igrejas que, a nossos olhos, operam claramente em sintonia com os interesses de classe dos mais privilegiados.

É inegável que a figura de Jesus está profundamente inserida no imaginário das massas populares brasileiras como o símbolo máximo da justiça e da prática do bem. Provavelmente, o principal motivo para que isto seja assim se deve ao fato de que os relatos sobre a vida de Jesus constantes nos Evangelhos nos mostram um ser inteiramente devotado às parcelas mais carentes, e em flagrante oposição ao grupo dos exploradores. Por conta disto, não vemos como nada surpreendente que os mais opulentos procurem ocultar ao máximo tudo o que esteja relacionado com a efetiva interação social de Jesus durante sua trajetória de vida.

Como os relatos evangélicos nos mostram um ser em permanente luta em favor das causas do povo oprimido, não creio haver nenhuma contradição entre o comportamento de Jesus e as aspirações de quem almeja alcançar um mundo de justiça e solidariedade, onde não haja nem explorados nem exploradores. Tudo o ali exposto em sua figura, seja em forma de atos ou palavras, corresponde a um ser que considera a justiça, a solidariedade e a igualdade como valores supremos.

Assim, é bastante compreensível que as igrejas vinculadas às camadas privilegiadas da sociedade procurem evitar o contato de seus seguidores com as passagens referentes às experiências por ele vividas durante seus périplos terrenais. Para impedir este contato, essas igrejas se aferram quase que unicamente aos escritos bíblicos do Velho Testamento, para escapar da visível contradição entre as propostas antipopulares que elas encampam e aquelas defendidas com tenacidade pelo próprio Jesus.

Porém, alguns de nossos companheiros são reticentes a fazer uso desses exemplos, uma vez que, segundo eles, não haveria prova histórica científica sobre a real existência de Jesus. Mas, esta desculpa não deveria servir para invalidar nossos propósitos, visto que os seguidores do cristianismo acreditam firmemente na figura do Nazareno e estão convictos do acerto de seus ensinamentos. Assim, se nós também considerarmos válidos e positivos seus exemplos constantes dos textos evangélicos, por que fazer objeção com respeito a sua utilização para desenvolver trabalho de conscientização de classe junto a quem já está propenso a aceitá-los? 

Em função do exposto, acreditamos que, em nossas atividades entre massas populares sob a influência de igrejas de extrema direita travestidas de cristãs, em lugar de constituir um entrave que bloqueia a penetração de idéias que apontam a transformações de cunho socialista, o comportamento social de Jesus e sua priorização dos mais carentes pode vir a ser muito valioso e efetivo para ajudar-nos a romper resistências e abrir brechas para nossas propostas de luta.

Não me parece correto, nem justificável ou eticamente válido, que ignoremos a importância desse enorme contingente de trabalhadores que vêm sendo usado como massa de manobra por algumas das mais perniciosas variantes do nazifascismo-bolsonarismo em nossas terras.

Nossa motivação não é de caráter religioso ou espiritual.  Nosso objetivo é reunir forças entre o povo para a edificação de um mundo mais justo e solidário, que, em essência, corresponde com aquele proposto pelo Jesus dos textos evangélicos. Se os agentes do grande capital podem manipular e tergiversar o simbolismo desta figura para favorecer seus interesses de classe antipovo, por que não podemos nos ater a suas próprias palavras e exemplos de vida para beneficiar as maiorias populares? O que deve valer, mesmo para quem não acredita em sua realidade histórica, é o significado e a potencialidade prática desse legado quando posto a serviço das causas das maiorias trabalhadoras.

Como síntese de todos os aspectos que procuramos apresentar ao longo deste texto, podemos deduzir que a difusão ideológica da extrema direita é feita essencialmente com base na hipocrisia. E, portanto, não seria diferente em relação com a religião. Por isso, não podemos permitir que continuem se apropriando de uma figura venerada e respeitada por quase todo nosso povo com o propósito de garantir a manutenção das injustiças sociais que só beneficiam as camadas privilegiadas. Portanto, para derrotar essas pretensões manipuladoras, precisamos ajudar o povo a refletir e a confrontar o comportamento e as proposições humanistas do Jesus dos relatos bíblicos com as pretensões antipovo das classes dominantes e seus serviçais incrustados nas igrejas bolsonaristas.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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