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Brian Mier

Brian Mier é jornalista, geógrafo e co-editor do site Brazil Wire

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Para promover a paz, o Brasil precisa consertar as relações com a Venezuela

Vetar a entrada da Venezuela nos BRICS representou um ponto baixo nas relações bilaterais. Mas recentemente a relação entre os dois países melhorou

Presidentes Lula e Maduro durante encontro da Unasul em Brasília 29/05/2023 (Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino)

Se, como Lula disse após sua reunião histórica com presidente Trump, no domingo, o Brasil gostaria de assumir um papel de mediador entre os EUA e a Venezuela, terá de dar alguns passos a mais para reconquistar a confiança da Venezuela.

Em primeiro lugar, gostaria de esclarecer minha posição sobre esta questão. Não estou tentando estabelecer uma nova carreira como crítico de esquerda radical do governo Lula. Não estou à procura de uma coluna na Folha de São Paulo. Não quero ser entrevistado por Caetano Veloso nem aparecer na Globo. Além disso, como escreveram Noam Chomsky e Edward Herman em A Fabricação do Consentimento, considero o conceito de jornalismo objetivo uma farsa burguesa. Todos os jornalistas e jornais tomam partido, quer admitam quer não. O meu lado tem estado consistentemente com o PT e os movimentos sociais como a CMP, o MNLM e o MST que o apoiam, e não está prestes a mudar agora.

No entanto, há uma diferença entre ser um pau-mandado e ser capaz de oferecer críticas construtivas, e desde as eleições presidenciais venezuelanas do ano passado, que cobri por mais de um mês em Caracas para o meu principal empregador, a TeleSur, tenho tentado fazer o que posso para alertar sobre os problemas nas relações Brasil/Venezuela e sugerir como melhorá-las.

As relações entre o Brasil e a Venezuela sofreram um grande golpe quando, após recusar o convite para enviar observadores eleitorais ao Brasil, o governo brasileiro tentou se projetar em um papel de mediação entre o governo Maduro e a extrema-direita neofascista da Venezuela, num momento em que esta tentou e não conseguiu executar um golpe de estado em um dia de violência, que deixou todas as sedes estaduais do PSUV e várias escolas públicas, Prefeituras e centros comunitários em todo o país danificados por incêndios, 25 policiais mortos e centenas de feridos.

Embora o PT tenha sido rápido em emitir uma nota reconhecendo os resultados das eleições, o governo Lula nunca o fez, mesmo depois que o Supremo Tribunal Federal auditou e confirmou os resultados em 24 de agosto. Na esteira das eleições, o Brasil acrescentou insulto à injúria ao assumir a proteção da embaixada argentina do palhaço fascista Javier Milei em Caracas, para que ela pudesse oferecer santuário a um grupo de agentes golpistas de extrema-direita.

Num movimento altamente relevante na conjuntura atual em que o Brasil se oferece para assumir um papel de mediação na atual agressão imperialista contra a Venezuela, o governo venezuelano emitiu uma declaração em 2024, afirmando que nunca havia convidado o Brasil para assumir um papel de mediação em seu processo eleitoral. Numa declaração que certamente irritou algumas pessoas no governo Lula, durante um discurso de Nicolás Maduro em 29 de agosto de 2024, ele disse: "Houve uma eleição. Bolsonaro não reconheceu os resultados. Entraram recursos no Supremo Tribunal. O Supremo Tribunal Federal do Brasil decidiu que os resultados das eleições deram a vitória ao presidente Lula - Santa palavra no Brasil. Quem interferiu no Brasil? Ninguém. A Venezuela disse alguma coisa? Não! Nós apenas dissemos que respeitamos as instituições do Brasil e que o Brasil resolveu seus problemas internamente, como deve ser."

Em 24 de outubro daquele ano, o Brasil vetou a entrada da Venezuela nos BRICS. Isto certamente complicou a situação da Venezuela ao tentar se defender contra os Estados Unidos sangrentos e autoritários de hoje. Imagine se os EUA tentassem atacar uma nação dos BRICS.

Vetar a entrada da Venezuela nos BRICS representou um ponto baixo nas relações bilaterais. Mas recentemente a relação entre os dois países melhorou. A declaração recente de Celso Amorim de que Nicolás Maduro não é um "Bin Laden" foi bem recebida na Venezuela, assim como as tentativas de Lula de convencer Trump a abandonar o uso da violência contra a Venezuela.

O Brasil é amado em todo o Sul Global e dentro dos BRICS por sua expertise diplomática. Um exemplo disso é a sua posição no conflito Rússia-Ucrânia. Apesar de ser amplamente criticado pelos liberais dos EUA e da OTAN por não armarem a Ucrânia, e por algumas vozes na esquerda por não ficarem ao lado da Rússia, o governo Lula manteve a coerência histórica do Brasil de neutralidade face a conflitos internacionais, mostrou respeito por ambos os lados e uniu-se ao parceiro dos BRICS, China, para se oferecer para mediar. Se tivesse se recusado a reconhecer Zelensky ou Putin como os líderes legítimos de seus países, este papel teria sido impossível. Da mesma forma, se o Brasil está interessado em trabalhar pela paz através de um papel de mediação entre os EUA e a Venezuela, tem de reconhecer a legitimidade eleitoral de ambos os líderes. Uma simples declaração do Itamaraty ou do presidente Lula resolveria completamente esta questão. Está claro que o Brasil foi encurralado ao insistir na publicação dos atos das urnas. Já que isso não vai acontecer, é hora de engolir o orgulho e seguir em frente. Enquanto o Brasil reconhecer o déspota autoritário Donald Trump, com sua polícia secreta mascarada sequestrando crianças imigrantes em salas de aula e colocando-as em campos de concentração, como governante legítimo dos EUA, enquanto se recusa a fazer o mesmo por Nicolás Maduro, sua tentativa de intermediar a paz estará comprometida.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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