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Luis Pellegrini

Luís Pellegrini é jornalista e editor da revista Oásis

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“Parasocial”, a palavra do ano. Um novo tipo de solidão?

Vivemos um tempo paradoxal: nunca estivemos tão conectados e, ao mesmo tempo, tão solitários

“Parasocial”, a palavra do ano. Um novo tipo de solidão? (Foto: REUTERS/Amanda Perobelli)

A palavra parasocial foi escolhida como “Palavra do Ano 2025” pelo Cambridge Dictionary. Ao consagrar o termo, a instituição reconhece que 2025 não é apenas mais um ano - é um momento de reflexão sobre como nos conectamos. A escolha reflete uma transformação profunda na sociabilidade humana: o digital mudou a forma como construímos intimidade, pertencimento e identificação.

“Parasocial” descreve uma relação unilateral - ou seja: quando uma pessoa sente como se conhecesse intimamente uma celebridade, personagem de série/livro, influenciador, ou mesmo uma inteligência artificial, embora nunca tenha tido contato real com ela. O termo existe desde os anos 1950: foi cunhado pelos pesquisadores Donald Horton e Richard Wohl. Eles notaram que telespectadores criavam vínculos emocionais com personalidades da TV mesmo sem ter com eles nenhuma interação real.

Vivemos um tempo paradoxal: nunca estivemos tão conectados e, ao mesmo tempo, tão solitários. A palavra que melhor traduz esse estranhamento - parasocial - não é apenas um termo técnico ressuscitado pelos dicionários. É o espelho do nosso presente. Diante dele, vemos a nós mesmos: nossas carências, nossas fantasias, nossos vazios, nossas idealizações.

Nesse contexto, as relações parasociais, como são chamados os vínculos emocionais profundos com pessoas que não nos conhecem, como celebridades, influenciadores ou mesmo inteligências artificiais, tornaram-se parte da paisagem humana. Trata-se de conviver, ou melhor, de sentir que convivemos. A ilusão da intimidade foi otimizada pela tecnologia.

O que mudou não foi apenas o alcance dessas figuras públicas, mas a lógica de nossas vidas emocionais. As redes sociais nos oferecem, 24 horas por dia, pessoas que sorriem para nós da tela, falam “conosco”, revelam supostos segredos, compartilham rotinas inventadas, comentam seus “sentimentos” e constroem uma aparência de reciprocidade. Parecem próximas, acessíveis, humanas. Mas é uma humanidade fabricada.

E nos deixamos seduzir. Por quê? Porque relações parasociais são seguras: não pedem nada de volta. Não exigem diálogo, confronto, negociação. Elas imitam a intimidade sem o peso da intimidade real. Eliminam o risco da frustração. Têm a vantagem de serem editáveis, dóceis, controláveis. Em um mundo onde a vida emocional se tornou cada vez mais árida, as relações parasociais oferecem uma espécie de conforto higienizado - uma afetividade sem espinhos.

Mas a pergunta que incomoda é esta: o que perdemos quando preferimos vínculos unilaterais a relações reais?

Perdemos o atrito que nos transforma. Perdemos o trabalho emocional da escuta mútua. Perdemos a frustração - sim, a frustração - que nos amadurece. Perdemos a reciprocidade, que é o coração de toda experiência humana profunda. E talvez percamos, pouco a pouco, algo ainda maior: nossa capacidade de reconhecer o outro como outro.

Esse é o perigo silencioso das relações parasociais. Elas não apenas criam vínculos ilusórios; elas nos condicionam a desejar relações assim - vínculos sem resistência, sem opacidade, sem limites. Quanto mais nos acostumamos a amar pessoas que não podem nos amar de volta, mais difícil se torna amar quem está ao lado.

O fenômeno parasocial também revela um traço do espírito do tempo, o zeitgeist contemporâneo: estamos exaustos. Exaustos emocionalmente, politicamente, socialmente. E buscamos vínculos que não nos machuquem. Mas a vida real sempre machuca um pouco - e é justamente isso que nos torna humanos.

Assim, quando um dicionário de primeira linha, como é o caso do Cambridge, escolhe “parasocial” como palavra do ano, não está apenas constatando uma moda linguística. Está diagnosticando uma mudança profunda na arquitetura da vida emocional moderna. Está dizendo: “algo está acontecendo com nossa forma de desejar, de amar e de nos identificar”.

Talvez a grande pergunta não seja por que surgem relações parasociais, mas por que elas se tornaram tão necessárias. Que falta elas estão preenchendo? Que solidão elas estão acalmando? Que feridas elas estão cobrindo?

Não se trata de moralizar o fenômeno. Relações parasociais podem ser fonte legítima de inspiração, consolo, companhia. Mas também podem funcionar como anestesia - um meio de evitar o trabalho emocional real, de substituir vínculos imperfeitos por fantasias de perfeição afetiva.

No fim, o fenômeno parasocial nos obriga a olhar para dentro: o que estamos buscando quando nos apaixonamos por sombras? E, mais ainda, o que tememos encontrar quando nos aproximamos das pessoas reais que vivem ao nosso lado? Responder a essas perguntas não é apenas compreender uma palavra do ano. É compreender a nós mesmos.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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