Marcia Carmo avatar

Marcia Carmo

Jornalista e correspondente do Brasil 247 na Argentina. Mestra em Estudos Latino-Americanos (Unsam, de Buenos Aires), autora do livro ‘América do Sul’ (editora DBA).

133 artigos

HOME > blog

Por que a eleição no Chile interessa ao Brasil

Cenário eleitoral chileno expõe avanço conservador e tensões sobre segurança e imigração

Jeannette Jara, candidata presidencial da coligação governista de esquerda e membro do Partido Comunista, reage durante um de seus comícios finais de campanha antes da eleição presidencial de 16 de novembro, em Valparaíso, Chile, em 13 de novembro de 2025. (Foto: REUTERS/Rodrigo Garrido)

Marcia Carmo, enviada especial do Brasil 247 a Santiago

A candidata Jeannette Jara canaliza o voto da esquerda e da centro-esquerda.

Mas o que ouvimos nas ruas de Santiago?

A direita e a extrema-direita têm três candidatos (com sobrenomes alemães) e propostas radicais para a segurança pública e a imigração ilegal, de olho nos venezuelanos, e afinidades com Trump e Milei.

O Brasil aumentou a presença no Chile. Mas um nome da direita ou extrema-direita engrossaria este viéis político na América do Sul.

O dia amanheceu ensolarado e com altas temperaturas aqui em Santiago, no Chile, e nas primeiras horas do primeiro turno desta eleição presidencial a votação ocorre sem sobressaltos, apesar das imensas filas em alguns locais de votação. A previsão é que os primeiros resultados comecem a ser divulgados a partir das 20 horas (hora de Santiago e de Brasília). E as perguntas são se o país andino dará uma guinada à direita, como apontaram as pesquisas de opinião, ou se optará pela continuidade com mudanças. Quase todos os analistas políticos e as vozes nas ruas que ouvimos apontam que o pleito seria definido no segundo turno no dia 14 de dezembro, possivelmente entre Jeannette Jara, que é do Partido Comunista e da frente Unidade pelo Chile, e José Antonio Katz, do Partido Republicano, e que perdeu para o atual presidente Gabriel Boric na eleição passada. Num eventual segundo turno entre os dois, os analistas chilenos ouvidos pelo Brasil 247, como Claudia Heiss, da Universidade do Chile, Guillermo Holzmann, da Universidade de Valparaiso, disseram que os candidatos da direita e da extrema-direita se uniriam e elegeriam o nome do próximo presidente no Palácio La Moneda. Foi o que já antecipou, neste domingo, o presidenciável Kaiser, da extrema-direita, fã de Milei e de Pinochet.

Bolsonaro e a extrema-direita chilena e o Rio de Janeiro

“Vocês já viveram o período de Bolsonaro. E nos últimos tempos, a direita e a extrema-direita ganharam na Argentina, no Equador, na Bolívia e pelo jeito a onda está chegando aqui e tende a ganhar no Chile também”, disse Heiss. Holzmann entende que apesar de acreditar que Katz poderia ser eleito num eventual segundo turno, não se pode descartar “uma surpresa”, com a votação podendo ser definida até neste primeiro turno. “Todos dizem que haverá segundo turno. É verdade. Mas eu também não quero descartar que os chilenos decidam logo neste domingo, no primeiro turno e até por um ‘cisne negro’”, disse. O ‘cisne negro’ poderia ser o mais extremista da direita, Johannes Kaiser, que rejeita os imigrantes ilegais, quer linha dura para a segurança pública e, quando perguntado, disse que teria apoiado o golpe liderado por Pinochet em 1973. Neste domingo, ao votar, Kaiser disse que, se houver segundo turno e ele não estiver entre os candidatos, apoiará “qualquer nome que evite a continuidade deste péssimo governo (de Boric) e a esquerda (sinal de aversão a Jara, que entrou no Partido Comunista aos 14 anos de idade)”. Kaiser, do Partido Libertário Nacional, é fã de Milei, da Argentina, e de Trump, dos Estados Unidos. Ele defende, por exemplo, que os criminosos estrangeiros presos no Chile sejam levados para a prisão construída por Bukele, em El Salvador.

Por sua vez, Katz já tirou foto, no passado, com seu “amigo” Bolsonaro e também é simpático de Milei, Trump e já elogiou Pinochet. “A esquerda está sem vergonha de defender nomes e ideias extremas”, disse o candidato Marco Enriquez-Ominami, do Partido independente, na entrevista exclusiva que concedeu na sexta-feira ao Brasil 247. O terceiro nome da direita, Evelyn Matthei, que foi ministra, e é definida como da direita tradicional e conservadora, também disse, no último debate na TV, na semana passada, que bandido tem que “ir para a prisão ou para o cemitério”. Suas palavras foram em resposta a uma pergunta sobre o massacre na megaoperação policial nos complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro.

 Alto índice de participação

 Esta é a primeira vez que o voto é obrigatório com a inscrição automática dos eleitores no sistema eleitoral e aquele que não votar pagará uma multa de US$ 115 (equivalente a R$ 615). As novidades devem provocar o incremento da participação dos chilenos nas urnas. Nos últimos anos, a falta de interesse dos chilenos pelos processos eleitorais já levou o índice de abstenção a até 70% neste período democrático, que recomeçou a partir dos anos 1990. A exceção aos altos índices de abstenção foi o plebiscito de 2023 para a realização de uma nova constituição – a atual é de 1980, da época de Pinochet, já passou por várias reformas, mas, no plebiscito, os eleitores acabaram recusando uma nova Carta Magna.

Estrangeiros e Maduro

Cerca de 800 mil eleitores estrangeiros (a maioria da Venezuela, Colômbia, Peru e Bolívia) podem votar nesta eleição. Setores da esquerda acreditam que os votos, principalmente dos venezuelanos que rejeitam Maduro, devem contribuir para a votação na direita e extrema-direita. “A esquerda não sabe governar”, ouvi de um venezuelano, motorista de aplicativo que há oito anos se mudou para Santiago. Para muitos chilenos, porém, como refletem as pesquisas e a imprensa local, o aumento de casos ligados ao tráfico de drogas e à insegurança pública está associado ao incremento da imigração ilegal, que chega, principalmente, pela região Norte do Chile. A percepção é que estrangeiros que vivem legalmente no país temem até a xenofobia. “Moro aqui há cinco anos. Aqui tenho estabilidade econômica e possibilidade de crescer e trazer minha mulher e minhas filhas que estão em Caracas. Mas os chilenos não gostam da gente”, disse outro motorista venezuelano de aplicativo que preferiu dar apenas seu primeiro nome, Raúl.

Jeannette Jara, a segurança pública, as ruas que ouvimos e os indecisos

A segurança pública, a imigração ilegal e o baixo crescimento econômico do país (cerca de 2%) são as maiores preocupações do Chile e que contribuem para a expectativa de uma votação expressiva nos candidatos da direita e da extrema-direita. As pesquisas erraram em todas as eleições recentes na América do Sul. Caminhando e ouvindo eleitores de diferentes idades (jornaleiros, estudantes, comerciantes) foi possível registrar, porém, as mesmas expectativas de que poderia haver uma guinada à direita no Chile. Mas Jara, em entrevista nesta manhã de domingo ao canal de televisão Mega, enquanto tomava café com a família, disse que tem certeza da sua vitória, sem descartar o segundo turno em dezembro. E quando perguntada sobre sua primeira medida, caso seja eleita, disse: “Combater o Trem de Aragua” (grupo criminoso transnacional da Venezuela e que já foi definido como terrorista pelos Estados Unidos). Com a declaração, Jara, que defende a prevenção como saída para a problemática da segurança pública, mandou um recado de último momento ao eleitorado indeciso.

Brasil, açaí e Trump

A eleição chilena, que inclui a renovação das cadeiras do Congresso Nacional, é importante para o Brasil por pelo menos dois motivos. Apesar de não ser um vizinho da fronteira com o território brasileiro (o Brasil faz fronteira com dez países), o Chile ampliou e muito seu comércio bilateral com nosso país. O comércio inclui uma lista ampla que vai de frutas a medicina, entre outros. Nas ruas, apenas para ilustrar, é comum vermos, por exemplo, cartazes oferecendo açaí, uma das tantas importações brasileiras que cresceu aqui no mercado chileno. A presença de brasileiros morando aqui, de estudantes a empresários, também cresceu fortemente neste século.

Mas é a geopolítica atual que torna a eleição chilena ainda mais importante e nela o papel e o peso político do Brasil. Todos os candidatos chilenos ao Palácio La Moneda sabem da importância do Brasil – o maior país da América Latina em termos populacionais, geográficos e econômicos. Mas um nome da direita e da extrema-direita (Katz, Kaiser, Matthei e também Franco Parisi, que se define como sendo do “liberalismo social) tende, claramente, a ter maior associação com Milei, da Argentina, Peña, do Paraguai, Noboa, do Equador, Paz, que acaba de tomar posse na Bolívia, e Trump, que cada vez mais age na região, seja com as tropas marítimas e os misseis nas águas do Caribe e do Pacifico, perto da Venezuela e da Colômbia, ou com o explicito apoio financeiro e comercial ao argentino Milei. Por tudo isso, a eleição no Chile, país da América do Sul, é importante para o tabuleiro regional e para o Brasil.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

Artigos Relacionados