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Marconi Moura de Lima Burum

Mestrando em Direitos Humanos e Cidadania pela UnB, pós-graduado em Direito Público e graduado em Letras. Foi Secretário de Educação e Cultura em Cidade Ocidental. Trabalha na UEG. No Brasil 247, imprime questões para o debate de uma nova estética civilizatória

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Por que insistir em Eloy Terena ministro do STF?

"Uma chance como essa, com um governo progressista em razoável “lua de mel” frente à maior parte da sociedade"

Eloy Terena (Foto: Jane de Araújo/Agência Senado)
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... Porque ter um advogado indígena como ministro do STF é, sem dúvidas, a coisa mais improvável nesse Brasil – ainda – colonial e, portanto, uma chance como essa, com um governo progressista em razoável “lua de mel” frente à maior parte da sociedade, do Congresso Nacional, dos membros da Suprema Corte e de outros atores importantes[1], imaginamos que somente ocorrerá em outra encarnação.

Lembro-me que quando eu era criança, em dia de muita expectativa, preparado por semanas de intensa propaganda e alarde, aguardava ansioso a passagem do cometa Halley. Eu morava numa região de chácaras de Brasília chamada de Núcleo Rural Casa Grande, próximo ao Gama. E jamais vi outro céu mais bonito no mundo que nesse lugar onde vivia. Sobre o Halley: a grande esperança de ver algo inédito, que nem meus pais, nem meus avós tinham podido contemplar; eu sim! Meus filhos provavelmente não. Talvez meus netos tenham autorização da natureza para extrair a nirvana de tal espetáculo. Ora, o Halley estava ali, em 1986, e somente voltaria a figurar o céu de nossas vistas em 2061. É que a ciência calculou sua volta completa em torno do sol a cada 76 anos (para nos dar um “oi” aqui na Terra).

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É isso que abordo como analogia a fim da escolha do Presidente Lula ao novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF): não haverá outra chance como essa de termos uma guinada paradigmática tão fundamental, chamando para cuidar da Justiça de nosso País um líder dos povos ancestrais do Brasil tão cedo. E neste ínterim, trazemos como opção, o pós-doutor em Direito (aliás, intelectual que guarda em seu currículo, dois doutorados e outras tantas potências de conhecimento), Eloy Terena, atualmente, Secretário Executivo do Ministério dos Povos Originários do governo brasileiro.

É fundamental que, de largada, peça à/ao leitora/or que acesse meu último texto neste jornal, o Brasil 247 [2]. Embora extenso, é oportuna a compreensão de fundamentos que balizam o assunto tão determinante dos rumos de nossa República. Ali reivindico o ineditismo do evento, a saber, o novo membro da Corte máxima do Brasil não ser necessariamente o nome “A” ou “B”, entretanto, consoante ao conceito de defensor rigoroso do Direito Alternativo, do Direito Insurgente, do Direito Achado na Rua, de mobilizações da teoria crítica do Direito que encontrem na dimensão do espoliado o epicentro, aliás, a espiral (face ao devir da arguição) da ação jurisdicional. Isto é, para que haja justiça, o pobre e o vulnerabilizado devem formar o núcleo do evento interpretativo das decisões constitucionais. Sua ação finalística. Nada inferior a isso...

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Hoje opto por avançar um passo nessa direção. E dizer que um nome estratégico ao Brasil (ao STF) é o do Eloy Terena. Isso exige que elenquemos alguns fatores, conjunturais, históricos e circunstanciais (sensacionais, diríamos). Vejamos:

1) Considerar o que incluímos no primeiro parágrafo deste texto: a boa relação do Presidente recém empossado com os atores sociais determinantes na correlação de forças;

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2) Atentar-nos para a crise climática global e o risco de colapso ecológico sistêmico, emergências ambientais que exigem um novo ministro no STF com olhar acurado para estas questões;

3) Lembrar da simpatia do mundo (geopolítica) com a potência do Brasil em liderar (inclusive em caráter jurisdicional) o debate – e a locomotiva – dos eventos ambientais pelo mundo;

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4) Ganhar mais um argumento na articulação para captar bilhões de dólares de investimento no Fundo da Amazônia e outros fomentos ao Meio Ambiente e biomas do Brasil;

5) Pensar na dificuldade pragmática de os senadores da República rejeitarem um nome indígena, com inquestionável saber jurídico e reputação ilibada como é o caso do Terena;

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6) Saldar a dívida histórica que o Brasil tem com os povos indígenas majoritariamente exterminados do território e cada vez mais espremidos nas sobras de territórios que são, na verdade, santuários de proteção das águas e do ecossistema para todas e todos; e

7) Promover a inserção democrática e necessária no Pleno do Supremo, finalmente e em constante, das premissas do Ecoconstitucionalismo e do Pluralismo Jurídico.

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Como o texto se mostra auto-explicativo, compreendo ser oportuno guardar a elegância de não estender muito a arguição. Contudo, este último ponto reivindica um debate de maior densidade: afinal,

O que é o Ecoconstitucionalismo? 

Pois bem! Na síntese mais potente possível, trazemos o ensinamento de Raquel Yrigoyen, para quem o Constitucionalismo Ecológico (ou Ecoconstitucionalismo) é oriundo da cosmovisão e cosmogonia dos povos indígenas, cujo núcleo central se reporta ao direito (garantia de vida) da Mãe Terra, e se desdobra no evento pragmático (e não menos simbólico) do Direito à Alimentação e à Água, semânticas que integralizam as formas de vida destes povos e comunidades, consolidando a proteção ao habitat (YRIGOYEN, 2021, p. 245)[3]. Lembrando que espaço-tempo são variáveis que a todos (nós) interliga. Se uma nascente seca na Chapada dos Veadeiros, os ricos da Faria Lima não beberão por muito tempo. É uma lógica!

Trata-se de dimensão que faz parte do Novo Constitucionalismo Latino-Americano que, grosso modo, abarca as dimensões do Bem-viver, tanto em termos conceituais-sistêmicos, quanto civilizatário-legal. Este, por seu expediente, refere-se à principal simbiose da vida ao que podemos chamar de harmonias existenciais, a saber, a do Eu-Eu, a do Eu-Outro e a do Eu-Planeta, lendo, oportunamente, “Eu”, como a individuação, isto é, fatores de consolidação de nossa subjetividade; o “Outro” como o conjunto das interrelações pessoais e sociais, a comunidade; e “Planeta” por toda a extensão ecossistêmica possível, a saber, o habitat. Em ambos, uma cosmovisão relacional. 

Em resumo, uma sociedade que reivindique este Novo Constitucionalismo valorará um Direito, esteja positivado ou em fluxo natural-cultural, que dê voz à Natureza, aos povos originários e tradicionais, às florestas (e seus membros/elementos) e às pessoas em geral para uma inter-troca solidária, responsável, generosa. Afinal, trata-se de um constitucionalismo supraconvencional, que considera não apenas a universalização dos sujeitos e culturas, o monismo jurídico (único modo de dizer o Direito), entretanto, acolhe a diversidade, a pluralidade, a plurinacionalidade (dos vários povos intra-Estado), os direitos humanos, a soberania popular, os sujeitos coletivos de direito e tudo mais com vistas à consolidação dos elementos que emancipe as pessoas e lhes consignem a liberdade plena. 

Retornando ao Eloy Terena, o doutrinador nos ensina que “no direito que nasce da aldeia os destinatários são amplos, pois a dialética engloba tanto os indígenas individualmente considerado, mas também a comunidade e as formas próprias de organização de cada povo. Além disso, as plantas, os animais, as águas e até os seres encantados que habitam seus territórios são sujeitos de direito. Na sistemática da prática jurídica todos esses sujeitos podem expressar sua vontade caso queiram, e se assim o fizer serão respeitados e ouvidos. É uma prática incompreensível aos olhos do Estado, impensável do ponto de vista do direito monístico e dogmático forjado pela e para a burguesia” (TERENA, 2021, p. 506). [4]

É esta compreensão dual, isto é, do direito da aldeia e do direito liberal que o STF precisa como “tempero” hermenêutico. Isto posto, não há qualquer possibilidade de o jurista em questão romper com o pacto societário determinado pela Constituição de 1988. Aliás, é exatamente o contrário: fará extrair da Carta Magna brasileira os instrumentos para se cumprir as suas promessas constitucionais, avocando a democracia, a cidadania, o respeito aos direitos fundamentais e a participação social efetiva. Somará a isso todas as dimensões interpretativas e principiológicas do Art. 225 da Constituição, especialmente em seu máximo princípio da equidade intergeracional (que interessa fundamentalmente às pessoas presentes e às futuras gerações) e todo o acervo normativo pátrio de defesa intransigente do Direito da Mãe Natureza, essa personalidade jurídica quase sempre ignorada ou sub-interpretada que, uma vez viva, dá vida a todos os demais seres...

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Notas de Rodapé

[1] Sobretudo, pelo significado de Lula no resgate aos teores democráticos de um país em ruínas, fator que fez o Presidente ganhar a confiança da maior parte do STF, dos governadores e de dezenas de líderes políticos e influenciadores da sociedade.

[2] Ler o texto completo em: https://www.brasil247.com/blog/nem-zanin-nem-toffoli-2-0-lula-precisa-nomear-o-direito-alternativo.

[3] As citações de Raquel Yrigoyen e de Eloy Terena pertencem a textos respectivamente escritos pelos autores e disponibilizados na obra denominada “Direito Achado na Rua – Volume 10: Introdução Crítica ao Direito como Liberdade”, publicada conjuntamente pela OAB Editora e pela Editora UnB, em 2021.

[4] Ibid.

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