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Maurici de Morais

Deputado estadual (PT-SP)

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Precisamos ficar de olho em Ruanda

Ruanda mostra que a reconstrução e a igualdade de gênero podem transformar uma nação e inspirar o mundo

Vista geral das ruas de Kigali, Ruanda (Foto: Reuters/Jean Bizimana)

“Para cada problema africano, existe uma solução brasileira.” A frase não é minha; quem a disse foi o professor Calestous Juma, da Universidade de Harvard. Há anos ela é repetida como um mantra para descrever as similaridades e as diferentes etapas de desenvolvimento entre o Brasil e os países que integram a África.

Recentemente, estive em Ruanda e posso garantir que, por lá, essa lógica tem se invertido. Em algumas pautas importantes para nós, são eles que apontam os caminhos.

Ruanda é hoje o país com maior representação feminina na política. A conclusão é de um estudo da ONU Mulheres, que analisou o tema em 185 nações. No mesmo levantamento, o Brasil aparece na 133ª posição. Por lá, das 80 cadeiras na Câmara, 50 são ocupadas por mulheres, como a deputada Afonsine Mierembe, com quem troquei experiências e aprendizados sobre políticas públicas e desenvolvimento.

As mulheres também são maioria no Senado de Ruanda, com 14 dos 26 assentos. No país, existe um arcabouço legal que determina uma cota mínima de 30% de mulheres no Legislativo, mas a força feminina ultrapassa a lei e molda o país.

No mercado de trabalho, a paridade salarial entre homens e mulheres que exercem as mesmas funções é garantida por lei, enquanto, no restante do mundo, elas ainda ganham, em média, 37% menos.

E não é só na representatividade e no reconhecimento feminino no mercado de trabalho que Ruanda vai bem. O país tem se consolidado como um polo de desenvolvimento tecnológico importante e possui um dos principais centros de inovação do continente africano, o Kigali Innovation City, onde startups, universidades e empresas convivem no mesmo ecossistema.

Ruanda também é pioneira na distribuição de medicamentos com o uso de drones e inteligência artificial e, há quase 20 anos, proíbe o uso de sacolas plásticas não biodegradáveis.

Minha passagem pelo país se concentrou em Kigali. O que vi foi uma capital moderna e desenvolvida, segura e bem cuidada, com um povo acolhedor e simpático. Difícil imaginar que esse mesmo território viveu, em 1994, um dos maiores massacres do século XX. E foi das cinzas desse genocídio que Ruanda iniciou uma reconstrução que hoje inspira o mundo a superar desafios nos quais a maioria dos países ainda patina.

Para compreender essa virada, é preciso olhar para trás. Até a Primeira Guerra Mundial, Ruanda era ocupada pela Alemanha e governada por uma monarquia. Com o fim do conflito, passou ao domínio belga. A relação se deteriorou e, em 1960, a Bélgica concedeu autonomia interna a Ruanda, aboliu a monarquia e criou um governo de transição. O país mergulhou em instabilidade política, e a população passou décadas sendo bombardeada por discursos de ódio.

Em abril de 1994, o então presidente, Juvénal Habyarimana, morreu em um desastre aéreo. O ódio acumulado virou ação violenta. Milícias, com o apoio do governo, atacaram de forma sistemática um grupo social. Por mensagens no rádio, a população foi estimulada a participar do justiçamento e se armou como pôde, inclusive usando facões, pedras e pedaços de madeira.

Em 100 dias, quase um milhão de pessoas foram assassinadas. Enquanto o mundo assistia inerte, Paul Kagame, que estava refugiado em Uganda, invadiu Ruanda com o exército que havia formado e encerrou o genocídio. Kagame se tornou vice-presidente de Ruanda e assumiu o país em um mandato tampão a partir de 2000. Desde então, vem se perpetuando no poder, com sucessivas reeleições.

Ruanda ficou devastada pelo massacre. Uma maioria de homens havia morrido, matado, fugido ou sido presa. As mulheres tiveram papel fundamental na reconstrução do país e passaram a ocupar posições de poder, em uma dinâmica que se mantém ainda hoje.

A juventude também é protagonista nessa história. Em Kigali, conheci Juliana Muganza, que, com menos de 30 anos, comanda o Rwanda Development Board, a agência responsável pelo desenvolvimento econômico do país. Como ela, há muitos outros jovens no comando de instituições estratégicas de Ruanda.

O país não esconde seu passado. Ele é debatido de forma aberta, com a compreensão de que é necessário revisitá-lo para que tragédias como o genocídio nunca mais se repitam. Ruanda se pacificou e escolheu o perdão em vez da vingança.

Um dos muitos símbolos dessa união são as peace baskets, cestas ageseke tecidas em sisal por mulheres de diferentes grupos sociais, reconstruindo laços enquanto entrelaçam fibras.

Críticas ao país existem. A falta de alternância no poder é uma delas. Há quem diga que Kagame governa Ruanda com mão de ferro e não abre espaço para a oposição. Em tão pouco tempo, não reuni elementos para formar opinião sobre essas acusações. Em minhas andanças, tampouco percebi sinais disso.

O que encontrei foi um país alegre, com um forte compromisso com o desenvolvimento econômico e social e uma vontade imparável de seguir em frente. Diante de tudo o que presenciei, volto com a certeza de que precisamos ficar de olho em Ruanda, um país sobre o qual pouco se fala, mas que pode nos ensinar algumas boas lições.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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