Promessas de Ano Novo: cuidado com as expectativas utópicas
Quando esperamos ou desejamos muito alguma coisa e, eventualmente, nossa expectativa não se cumpre na realidade, surge o sentimento de desilusão ou frustração
“Se a expectativa utópica não fosse tão grande, viver os fatos reais do dia-a-dia seria sempre uma aventura cheia de prazer”, disse-me certa vez meu amigo Diaulas Riedel, dono da Editora Pensamento-Cultrix.
Todo fim de ano carrega um ritual quase automático: a contagem regressiva, os abraços, os fogos - e a crença silenciosa de que, a partir da meia-noite, a vida fará um reset. Como se o calendário tivesse poderes terapêuticos, como se o Reveillon fosse sinônimo de varinha de condão. Seria, sem dúvida, uma coisa maravilhosa se o simples virar do ano fosse capaz de corrigir escolhas, curar fraturas, reorganizar afetos e devolver sentido ao que se perdeu pelo caminho. É nesse ponto que o Ano Novo deixa de ser celebração e passa a se tornar armadilha.
A cultura das promessas - “agora vai”, “este será o meu ano”, “tudo será diferente” - cria uma expectativa utópica que não dialoga com a realidade concreta da existência. O tempo muda, mas nós permanecemos os mesmos sujeitos, com as mesmas contradições, medos, limites e histórias inacabadas. Projetar no futuro uma redenção automática é terceirizar a responsabilidade pelo próprio processo de mudança.
Essa lógica não é inocente. Ela ecoa uma mentalidade messiânica: algo externo - o ano, a sorte, o destino, o acaso - virá nos salvar. É o mesmo mecanismo psicológico que sustenta promessas fáceis na política, no consumo e até na espiritualidade de mercado. Troca-se o esforço contínuo pela esperança mágica; a ação concreta pelo desejo abstrato.
O resultado costuma ser previsível. Janeiro avança, fevereiro chega, e o peso da frustração se instala. Não porque o ano “falhou”, mas porque as expectativas eram irreais. A utopia, quando não reconhecida como tal, cobra seu preço: culpa, sensação de inadequação, cansaço emocional e a falsa percepção de fracasso pessoal.
Talvez o problema não esteja em desejar mudanças - desejar é humano -, mas em como desejamos. Expectativas utópicas tendem a ser totais, absolutas, grandiosas. Já transformações reais são parciais, lentas, imperfeitas. Elas não fazem barulho. Acontecem no silêncio das pequenas decisões, dos limites assumidos, das escolhas repetidas quando ninguém está olhando.
É muito importante gerenciar nossas expectativas. Quando depositamos muitas expectativas em coisas ou pessoas, corremos o risco de nos frustrar. Por isso é importante encontrar limites na hora de criar expectativas. Mas, como defini-los? É legal viver sempre com o pé atrás?
Segundo os psicólogos, as expectativas exageradas causam mais do que frustração, trazendo, também, insegurança e dor. Por isso, precisamos entender que a felicidade e o bem-estar podem ser encontrados em coisas mais simples do que imaginamos, porque estão diretamente ligados ao essencial.
O que vemos na prática é que as expectativas, bem como o conceito de felicidade, são relativas e variam muito de pessoa para pessoa. Dependem muito do contexto em que se vive, as vivências e como estas marcaram a vida.
Mas o outro lado da mesma moeda mostra que não dá para viver sem expectativas. Afinal, são elas que dão sentido à nossa vida. Você já deve ter ouvido falar que precisamos sempre ter sonhos porque sem eles não há o que esperar a não ser a morte.
Quando esperamos ou desejamos muito alguma coisa e, eventualmente, nossa expectativa não se cumpre na realidade, surge o sentimento de desilusão ou frustração. Lidar com essa sensação de “derrota” é muito difícil e pode levar as pessoas à depressão, amargura e até revolta.
Para que isso não aconteça, o ideal é nos prepararmos para diferentes resultados que possam ser vislumbrados.
Um Ano Novo mais honesto talvez comece com menos promessas e mais lucidez. Menos listas heroicas e mais perguntas incômodas: o que posso sustentar? o que precisa ser abandonado? o que não depende só de mim? Reconhecer limites não é desistir da mudança; é dar a ela alguma chance de existir.
Há algo profundamente libertador em trocar a utopia da virada milagrosa pela ética do processo. Em vez de esperar um ano extraordinário, aceitar um ano possível. Em vez de exigir felicidade contínua, cultivar presença. Em vez de buscar versões idealizadas de si mesmo, aprender a conviver - com responsabilidade e compaixão - com quem se é agora.
O Ano Novo não nos deve nada. Ele não vem para nos salvar, nos corrigir ou nos reinventar. Ele apenas chega. O que fazemos com ele - sem ilusões, mas com consciência - é que pode, aos poucos, fazer diferença.
Talvez essa seja a única expectativa razoável: menos utopia, mais realidade. Menos espetáculo, mais caminho repleto de coisas interessantes para serem vividas à medida que percorremos a estrada.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




