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Julimar Roberto

Comerciário e presidente da Contracs-CUT

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Quando a política se banha em sangue

É estarrecedor ver o governador Cláudio Castro fazer campanha política à custa do sangue dos moradores da favela

Rio de Janeiro (RJ) - 29/10/2025 - Protesto contra a operação policial que deixou mais de 120 pessoas mortas no Complexo da Penha, em frente ao Palácio Guanabara, sede do governo do estado (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

A tragédia que o Brasil testemunhou nas comunidades do Alemão e da Penha durante essa semana não pode ser simplificada como uma operação policial malsucedida. Foi o retrato cru de quando a política, ao renunciar à responsabilidade pública, transforma a vida da população em palco de barbárie e populismo. Assistimos, estarrecidos, a uma operação monstruosa que, em nome de um suposto combate ao crime, interrompeu a vida de milhares, mergulhou a cidade do Rio de Janeiro no terror e ampliou o abismo entre o governo estadual e a população que lhe cabia proteger.

A operação que concentrou 2.500 agentes em um único território, abandonando cinco milhões de pessoas sem policiamento, expondo-as ao risco e imobilizando serviços essenciais parou a capital carioca. O que o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, tentou apresentar como demonstração de autoridade tornou-se, na verdade, um retrato da desordem e do caos.

A letalidade — 121 mortos, segundo dados oficiais — escancara o fracasso do modelo de segurança focado no armamento. Policiais foram enviados sem preparo técnico adequado para um cenário de guerra urbana. E como em toda guerra desigual, as maiores vítimas são sempre os moradores das periferias, pretos e pobres, tratados como alvos fáceis e descartáveis. A figura do Estado que deveria garantir direitos transformou-se em agente do medo.

O que vimos foi o escancaramento de uma política genocida em curso. A ação do governo carioca comprova que o Estado brasileiro ainda não se desvencilhou da política de promoção do ódio e da morte. A verdade que o Brasil insiste em varrer para baixo do tapete é que o combate às drogas, na prática, se traduz numa guerra contra pessoas negras e periféricas.

Mas a violência não se resume aos tiros. Ela se perpetua no silêncio e na dessensibilização social. É estarrecedor ver o governador Cláudio Castro fazer campanha política à custa do sangue dos moradores da favela. Ainda mais hediondo é o resvalar dessa tragédia nas redes sociais, onde populares chegam a comemorar o trágico saldo de vidas ceifadas, expondo de forma cruel a banalização da barbárie. Infelizmente, estamos nos acostumando a conviver com o inaceitável. A cada nova chacina, cresce o número de mortos e diminui a capacidade coletiva de se indignar.

Mas todo esse terror só serviu como cortina de fumaça. Ao eliminar as pontas frágeis da cadeia criminal, o governo do Rio de Janeiro promove uma proteção aos núcleos dirigentes, que seguem intocados e, não me admiraria, articulados com parcelas do próprio poder que finge combatê-lo. “Poder paralelo” é conversa para boi dormir. O que existe, na verdade, é um governo que negocia sua presença e lucra com o controle da pobreza e da violência.

Diante desse cenário, o governo federal reagiu. O presidente Lula convocou ministros da Justiça, Direitos Humanos, Igualdade Racial e outros para acompanhar a situação e reforçar a presença da União no Rio de Janeiro. Para Lula, a segurança pública não é uma guerra, mas uma política de Estado, que deve ser planejada com base em inteligência, integração e respeito à vida.

Enquanto alguns apostam no espetáculo, outros reafirmam o compromisso com a democracia e os direitos humanos. A diferença está em entender que o problema da violência não se resolve com fuzis, mas com educação, oportunidades e presença real do Estado onde ele mais se ausenta — nas favelas, nos becos, nas vielas, nas histórias interrompidas pela bala.

Quando o Estado (governo do Rio de Janeiro) mata, ele também morre um pouco, como na canção do Rappa ao afirmar que “também morre quem atira”. Morre a confiança, morre o direito, morre a esperança de um país que ainda sonha em ser justo. Que essa tragédia sirva, ao menos, para romper o ciclo da indiferença. Porque segurança pública não se faz com sangue e a política deve servir para promover a vida — a vida de todos, de todas e de todes, sem exceção.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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