Recomendações jornalísticas de quem nada entende de jornalismo
Crítica ao uso de fontes anônimas e à fabricação de narrativas políticas sem provas nos grandes meios de comunicação
O panorama político brasileiro entrou em rebuliço nestes últimos dias do ano a partir de “revelações” de uma jornalista da Rede Globo sobre atuações indevidas do ministro Alexandre de Moraes, do STF, em relação com a situação do Banco Master.
Em conformidade com o que era esperado por seus promotores, a divulgação teve enorme repercussão nos grandes meios corporativos e também, evidentemente, nas sub-redes de comunicação do bolsonarismo. Não deixaram de aparecer os infaltáveis pedidos de destituição do ministro e a anulação de todas as suas decisões jurídicas mais recentes. É claro que, neste pacote todo, o interesse maior é livrar da prisão a que foram condenados os próceres da tentativa de golpe de Estado de 2021-2022, entre os quais se incluem o próprio patriarca do clã bolsonarista e vários militares de alta patente.
Contudo, no seio das forças populares, surgiram enormes preocupações, devido ao fato de que a jornalista que trouxe a público a questão é conhecida por seu visceral lavajatismo e sua aderência à defesa dos interesses de seus patrões globais. Então, retornam a nossa memória as campanhas midiáticas deslanchadas em tempos lavajatistas com vistas a difundir as narrativas desinformativas que tinham o propósito de desacreditar e enlamear a reputação daqueles que eram tidos como potenciais inimigos do projeto impulsado pelos mentores do grande capital e do imperialismo.
Por outro lado, também somos levados a pensar em casos mais recentes, em que as vítimas foram outras figuras que andavam importunando as linhas mestras do pensamento que pretende se manter hegemônico. Esclareço que, com respeito a isto, estou referindo-me às campanhas de perseguição e cancelamento desatadas contra intelectuais de esquerda, como nosso Alysson Mascaro e o português Boaventura de Souza Santos.
Mas, quais seriam as características comuns peculiares aos processos deslanchados nos tempos do lavajatismo, naqueles dirigidos contra Mascaro e Boaventura e a presente articulação, que tem como alvo visível o ministro do STF Alexandre de Moraes? Bem, além da “coincidência” de que todos eles foram, e são, favoráveis às pretensões de nossas oligarquias do rentismo, o que mais nos chama a atenção é que partem sempre de iniciativas originadas nos meios de comunicação, com base em fontes anônimas, ou seja, as cacareadas “declarações em off”.
Acontece que, como num passe de mágica, as tais declarações em “off” adquirem status de verdade, e passam a ser tomadas como tal na propagação da narrativa. Quando pressionados a respeito de suas fontes, os divulgadores iniciais e boa parte da corporação jornalística (incluindo na mesma várias vozes consideradas do campo de esquerda, ou progressista) argumentam que o direito a manter o sigilo da fonte é uma prerrogativa essencial para a existência do jornalismo. Por isso, jamais deveria ser questionada.
Tudo bem, posso entender e concordar com esta visão. Lembro-me muito bem de que os horrendos e criminosos massacres cometidos pelas forças invasoras dos Estados Unidos no Iraque só vieram a ser de conhecimento público por iniciativa de uma fonte anônima, que se comunicou com Julian Assange, de Wikileaks. No entanto, a demolidora repercussão das revelações feitas por Julian Assange não se efetivou tão somente por ele ter sido informado sigilosamente sobre aqueles crimes. Na verdade, seu grande mérito e eficácia se deveram às provas que ele pôde apresentar para testificar o que a fonte lhe havia confidenciado.
Assim, embora a fonte tenha se mantido no anonimato por um bom tempo, o que foi realmente decisivo foi a quantidade de provas reais que Wikileaks divulgou ao público a partir das suas indicações. Algum tempo depois, os serviços de espionagem estadunidenses conseguiram descobrir que, de fato, o responsável pelo vazamento foi sua ex-agente Chelsea Manning. Porém, isto não afetou em nada, seja positivamente ou negativamente, o resultado das divulgações, posto que as provas existiam e tinham sido exibidas em vídeos.
Como conclusão, mesmo que eu não entenda patavina de jornalismo, estou seguro de que ninguém nunca deve dar nenhum crédito a nenhuma declaração que seja atribuída a fontes anônimas, sem que sejam apresentadas as devidas provas a respeito do que se está querendo expor. Se isto vale para um analfabeto em jornalismo, como é o meu caso, mais ainda deveria valer para jornalistas experimentados e bem formados. A menos, claro, que haja a intenção de sua parte de levar adiante alguma narrativa que vá de encontro a seus próprios interesses.
Por mais que pretendamos nos colocar acima do bem ou do mal, nosso comportamento é instintivamente guiado pelos interesses de classe dos quais estamos imbuídos. Por isso, estou convencido de que é dever de todos os jornalistas que atuam motivados pelo sentimento de justiça não se contentar jamais com declarações em “off” que se limitem a elas mesmas. Tais declarações, sem a apresentação das respectivas provas reais, não devem ser tidas como nada além de boataria mal intencionada.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




