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Washington Araújo

Mestre em Cinema, psicanalista, jornalista e conferencista, é autor de 19 livros publicados em diversos países. Professor de Comunicação, Sociologia, Geopolítica e Ética, tem mais de duas décadas de experiência na Secretaria-Geral da Mesa do Senado Federal. Especialista em IA, redes sociais e cultura global, atua na reflexão crítica sobre políticas públicas e direitos humanos. Produz o Podcast 1844 no Spotify e edita o site palavrafilmada.com.

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STF endurece o acesso ao impeachment e expõe o desgaste da política de espetáculo

Gilmar Mendes suspende trechos da Lei 1.079/1950, restringe denúncias à PGR, exige quórum de 54 senadores e protege o Judiciário do uso político do impeachment

Ministro do STF GIlmar Mendes (Foto: REUTERS/Adriano Machado)

Num país que aprendeu a conviver com crises como quem convive com cicatrizes, o dia de ontem (3), não foi apenas um dia a mais no calendário — foi um clarão no céu institucional anunciando que as regras antigas já não sustentam tempestades novas, ou seja, já não têm a força estrutural necessária para resistir às pressões, conflitos e complexidades políticas do presente. 

Gilmar Mendes puxou o freio de emergência na locomotiva jurídica de 1950, atendendo às ADPFs 1.259 e 1.260, ajuizadas pelo partido Solidariedade e pela AMB — Associação dos Magistrados Brasileiros, entidade nacional que representa juízes de todas as esferas e atua na defesa da independência judicial e das prerrogativas da magistratura. A liminar suspendeu dispositivos da Lei nº 1.079/1950, nascida sob a Constituição de 1946, permitindo que o país encare, finalmente, a pergunta incômoda: como responsabilizar um ministro do STF sem transformar o impeachment em arma política ou espetáculo de ocasião?

A partir da decisão, só a Procuradoria-Geral da República pode apresentar denúncias. Acaba a fila de pedidos improvisados no Senado, entregues como garrafas lançadas ao mar com esperança de que alguma alcance a praia do plenário. 

A política perde um atalho. Ganha o Ministério Público — e ganha o país. 

Em linguagem jornalística, restringe-se o uso do impeachment como pauta fabricada de momento, semelhante ao que nas redes sociais chamamos de trending topic: assunto que explode, viraliza, produz mais calor que luz e desaparece no dia seguinte.

Outro freio decisivo: o processo só se abre com dois terços do Senado — 54 dos 81 senadores. Antes bastavam 41. Não é detalhe aritmético; é mudança sísmica. Impeachment deixa de ser obra de ocasião e passa a exigir consenso e prova robusta. Democracia madura agradece quando a emoção cede lugar ao critério. Também caiu o afastamento automático do ministro ao instaurar o processo. Agora só em casos excepcionais e fundamentados. O país conhece o preço das decisões tomadas no calor da noite. Justiça não combina com adrenalina.

Outro ponto crucial: divergência de voto não é crime de responsabilidade. Ministro não existe para agradar plateia, e sim para interpretar a Constituição. Sem isso, o Supremo viraria extensão ruidosa do Congresso, e a Constituição, cardápio de restaurante.

O decano do STF Gilmar Mendes citou a Hungria como exemplo histórico. Lá, o enfraquecimento do Judiciário não foi terremoto; foi infiltração lenta. Democracias raramente acabam com estrondo — apodrecem em silêncio. Isso também me faz lembrar a sentença de Nietzsche: revoluções não acontecem com barulho, elas vêm com pés de pombo.

Há quem tema blindagem excessiva. Há quem veja avanço republicano. Surge a pergunta que insiste em não ser calada: protegemos ministros ou instituições? Talvez ambos. Talvez o país esteja apenas abandonando o hábito recente de transformar impeachment em combustível de live.

E como o mundo faz? 

Nos Estados Unidos, impeachment de juiz da Suprema Corte exige aprovação na Câmara e condenação no Senado por dois terços; só um foi removido desde 1789. Na França, membros do Conselho Constitucional têm mandato fixo e não podem ser destituídos por divergência jurisprudencial. Na Alemanha, remoção exige dois terços do Bundestag e do Bundesrat e apenas por violação deliberada da Constituição. 

O Brasil agora ensaia convergência a esse modelo de filtro alto e porta estreita. 

Entre 12 e 19 de dezembro, o plenário decidirá o futuro da liminar. Mas algo mudou: debatemos teoria constitucional no café, responsabilização no jantar e independência judicial no horário nobre. Isso tem peso histórico. Passado o susto, as marolas e as espumas, o tecido institucional brasileiro sairá melhor, muito melhor, melhor preparado para esses tempos atravessados e, acima de tudo,  estável.

Se o Supremo mantiver a decisão, o impeachment volta ao lugar certo: tribunal, prova, rito. Se cair, voltaremos ao balcão de denúncias improvisadas. Democracias exigem coragem para frear excessos e igual coragem para punir desvios. 

Porque, no fim, não discutimos ministros, mas o país que queremos ser — um que pensa antes de reagir, ou um que reage antes de pensar. E esta resposta, se errada, pode custar décadas, talvez gerações, deixando marcas profundas demais para serem ignoradas. Que venham os debates.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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