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Marilita Gnecco de Camargo Braga

PhD em Engenharia de Transportes pela Universidade de Londres. Trabalhou com ensino e pesquisa científica na área de Engenharia de Transportes na UFRJ. Aposentada.

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Por que esse silêncio?

Assisti ao documentário Torre das Donzelas numa tarde de sábado. Quatro dias depois, eu estava de volta ao mesmo cinema.

Mulheres que marcaram participação no filme "Torre das Donzelas" (Foto: Divulgação)
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Assisti ao documentário Torre das Donzelas numa tarde de sábado. Quatro dias depois, eu estava de volta ao mesmo cinema. Desejei rever para melhor absorver situações e sentimentos. A primeira vez ativa sentimentos variados. O espectador é invadido por eles. Impossível não se emocionar em muitos momentos. Assistir uma segunda vez permite captar melhor o que é dito e a movimentação no espaço da Torre.

A concepção desse espaço me deixou maravilhada. Magnífica solução adotada pela Diretora Susanna Lira, concebida e executada pela Diretora de Arte Glauce Queiroz, a partir do que Susanna chama de ¨criação coletiva¨, dando assim crédito às mulheres tema do filme. Além de criativa, a solução traz delicadeza, uma vez que as antigas habitantes teriam que retornar a um espaço de lembranças estranhas e que não mais existe. 

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O presídio Tiradentes, construído em 1852, foi demolido em 1972 para permitir as obras do metrô em São Paulo. Concebido para prisão e depósito de escravos, passou a receber presos políticos no período 1937-1945. A página Torre das Donzelas no Facebook traz uma pintura de Marlene Soccas (postagem de 15/09/2019), uma das presas, bem ilustrativa da Torre e das escadas, elemento marcante e lembrado por todas. Depois de assistir ao filme, essa representação deixa o cenário mais realista.

Em uma das entrevistas concedidas pela Diretora, Susanna diz que bebeu na fonte de Dogville (filme de Lars Von Trier). O cenário no Torre, no entanto, é admirável e muito mais elaborado, estimulante e intrigante. Apresenta soluções imaginativas, com suas alas suspensas, suas partes incompletas, sua torre apenas sugerida por meio de uma escada, suas paredes melífluas, elemento importante no cativeiro. Nem o ferro, outra presença marcante no encarceramento, incomoda.

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Não existem plantas do local para pautar a sua reconstrução. O filme começa com as participantes fazendo um exercício de memória para descrever e desenhar o interior da Torre. Idéia genial! Essa primeira fase de ¨retorno¨ à Torre se dá no imaginário, situação preparatória para a volta a um espaço um pouco mais concreto e realista. Mais um cuidado da Diretora: fazer voltar em pensamento para depois entrar no cenário.

A primeira cena nesse espaço é muito bonita em vários sentidos. A presa
política mais antiga se move vagarosamente, perplexa, ao entrar no recinto. Seu olhar é de descoberta e de emoção. Cena plasticamente linda devido às cores (o vermelho pulsante que sobressai), à beleza marcante dessa idosa, à sua elegância, ao silêncio ao redor e à emoção dominante.

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Aos poucos, essas mulheres vão sendo reveladas, iniciando com Dilma Rousseff, nossa conhecida e seguindo com: Ana Bursztyn-Miranda, Ana Mércia Silva Roberts, Darci Toshiko Miyaki, Dulce Maia (falecida em 2017), Elza Lobo,  Eva Teresa Skazulka, Fátima Setúbal, Guida Amaral, Iara Glória Areias Prado, Ieda Akselrud Seixas, Ilda Martins da Silva, Janice Theodoro, Leane Ferreira de Almeida, Lenira Machado, Leslie Denise Beloque, Lucia Maria Salvia Coelho, Maria Aparecida Costa Cantal, Maria Aparecida dos Santos, Maria Luiza Locatelli Garcia Belloque (falecida em 2016), Maria Nadja Leite, Marlene Soccas, Nair Benedicto, Nair Yumiko Kobashi, Rioco Kayano, Rita Sipahi, Robêni Costa, Rose Nogueira, Sirlene Bendazzoli, Telinha Pimenta e Vilma Barban (falecida em 2018). 

A permanência delas na Torre variou de 3 meses a mais de 4 anos. Dulce Maia foi a primeira e permaneceu lá sem companhia por algum tempo. Ao sair do presídio, pesava 38kg. Segundo a Diretora, estas 30 mulheres fazem parte de mais de uma centena que esteve detida no local. Duas delas chegaram lá grávidas e outra tendo recém dado à luz. Algumas são também parentes de desaparecidos políticos. Ao menos uma das presas do Tiradentes também se tornou desaparecida política (Heleny Telles Ferreira Guariba).

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O documentário Torre das Donzelas ganhou o Prêmio Petrobras de Cinema, da Mostra de São Paulo, em 2018. Nesse mesmo ano, foi também vencedor da categoria Melhor Documentário do 20º Festival do Rio de Janeiro e levou o Prêmio Especial do Júri do 51º Festival de Brasília.

As dores vividas são muitas e de diferentes tipos. Aquelas provenientes das torturas são relatadas. Alguns relatos são sofridos, ainda hoje, praticamente 50 anos depois, e as lágrimas chegam. É espantosa a confissão sobre o silêncio que cercou grande parte de suas vidas. Uma delas faz a pergunta do título deste artigo: ¨por que esse silêncio?¨. Nesse sentido, a participação no filme pode significar uma libertação por meio da exposição dos sentimentos e situações vividas. Logo elas que fizeram da luta por liberdade parte fundamental de suas vidas guardaram em reclusão esses momentos e não falavam abertamente a respeito!

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É extremamente tocante o pedido de desculpas de uma delas pelas lágrimasnão contidas. São pessoas fortes, resistentes, lutadoras e também afetuosas. Elas não escondem que nem todos os momentos de convivência foram doces ou de irrestrita integração. Porém, apesar das origens políticas e, consequentemente, de pensamento e concepções variados, o maior sentimento que essas mulheres transmitem no filme é o de companheirismo e afetuosidade. Momentos espirituosos nos fazem sorrir. Descobrimos uma Dilma brincalhona, além daquela perspicaz.

Fico pensando naquilo que esse documentário nos traz, sobretudo no atual momento. Ele reaviva memórias e histórias de resistência que não podemos jamais olvidar. Ele mostra a importância da busca de meios de sobrevivência e de equilíbrio espiritual nas situações mais adversas. Essas companheiras não se mostraram fragilizadas e não foi com debilidade que reorganizaram suas vidas, mantendo rumos que não renegam o passado, muito pelo contrário, conforme aprendemos nos créditos finais e no breve resumo das vidas dessas mulheres (www.torredasdonzelas.com.br).

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Naquele sábado em que vi o filme pela primeira vez, houve um curto debate, ao final da sessão, do qual participaram a Diretora Susanna Lira e duas companheiras: Ana e Telinha. O evento foi encerrado com uma bandeira ¨Lula Livre¨ no palco. Apesar de certamente haver concepções políticas distintas presentes, naquele momento prevaleceu a compreensão de que a democracia pela qual se luta eternamente também pressupõe Lula livre.

Dilma tem razão quando, em retrospectiva, conclui que ¨nós ganhamos deles¨. Apesar das adversidades, da vivência em situação insalubre, do risco sempre presente, elas conseguiram sair com a alma íntegra. É com sentimento ambíguo que saí do cinema, um misto de nostalgia e de inspiração. Afinal, ELES voltaram, mas NÓS jamais fomos embora!

 Matérias de interesse sobre o tema:

Por Elas entrevista familiares de mortos e desaparecidos na ditadura, Léo Alves e Lygia Jobim;

Por Elas entrevista Eliana Rocha - Caravanas da Anistia

Uma Dilma que poucos brasileiros conhecem

O thriller político de Maria Uslenghi Rizzi

Renato Dias lança livro que fala das mulheres que enfrentaram a ditadura

Por Elas - Ditadura, prisões e a memória das vítimas, com Eleonora Menicucci e Amelinha Teles

Por Elas entrevista Vera Vital Brasil

O Memorial da Anistia e a Torre das Donzelas- Entrevista com Rita Sipahi

Documentário conta a história da luta das presas políticas no Brasil

Torre das Donzelas - Entrevista com Suzanna Lira

Torre das Donzelas é “sobre histórias de resistências”, diz cineasta Suzanna Lira

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