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Joaquim de Carvalho

Colunista do 247, foi subeditor de Veja e repórter do Jornal Nacional, entre outros veículos. Ganhou os prêmios Esso (equipe, 1992), Vladimir Herzog e Jornalismo Social (revista Imprensa). E-mail: joaquim@brasil247.com.br

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Tribunal aposenta o juiz que absolveu PMs porque a vítima não tentou impedir estupro

O magistrado João Roth, que tem foto na rede social com Bolsonaro, também livrou outros policiais acusados de crimes graves

João Roth, em frente da viatura e com Bolsonaro (Foto: Rede social)

O juiz Ronaldo João Roth foi aposentado compulsoriamente pelo Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo. A decisão foi publicada no Diário Oficial da Justiça Militar desta terça-feira.

João Roth é autor de uma série de decisões criticadas por juristas e defensores dos direitos humanos, como a absolvição de dois policiais acusados de estuprar uma mulher no município de Praia Grande, em 2019.

O magistrado também absolveu os policiais militares que usaram corda para amarrar as mãos e os pés de um homem negro. O fato, ocorrido em novembro de 2023, remetia a cenas de tortura no período de escravidão.

“A maneira com que o suspeito foi imobilizado tinha como objeto impedir que ele pudesse usar qualquer membro com finalidade agressiva”, escreveu o juiz.

O magistrado disse ainda que o uso da corda é um procedimento lícito, utilizado pela PM de São Paulo, e que a vítima não reclamou ter sofrido nenhum sofrimento, abuso, humilhação ou agressão por policiais militares.

Imputar à vítima responsabilidade por não reclamar já é uma impropriedade. Erro mesmo é um magistrado ignorar que a Polícia Militar havia proibido o uso de cordas e fios para imobilizar suspeitos dois meses antes.

Segundo o Mídia Ninja, que fez as imagens, o homem teria se revoltado ao ser chamado de macaco por uma mulher, e por isso a PM foi chamada. Já os policiais alegaram que o detiveram por suspeita de importunação sexual.

No caso dos policiais acusados de crime de estupro, João Roth argumentou que a absolvição se justificava tendo em vista que a mulher não tentou impedir o ato ou pedir ajuda, como se essa reação fosse algo trivial diante de dois homens fardados.

Disse mais o magistrado: "a vítima poderia sim resistir à prática do fato libidinoso, mas não o fez"

Depois da decisão, foram divulgadas fotos da rede social que mostravam a amizade dele com o advogado dos policiais, José Miguel da Silva Júnior.

Na rede social, também há fotos do magistrado cumprimentando Jair Bolsonaro, que ele defendeu quando houve o decreto de indulto de policiais condenados por crimes culposos.

O ato que declara Ronaldo João Roth aposentado compulsoriamente não especifica a que fato se deve a punição, a mais grave na carreira de um juiz. Além daqueles, há outro muito criticado. Foi a revogação da prisão do cabo Eriki Rodrigo Souza Dias, que havia sido preso por decisão de desembargadores.

Eriki tinha sido acusado de receber dinheiro para informar a pescadores esportivos onde haveria fiscalização da Polícia Ambiental. Para os pescadores que costumam usar áreas protegidas, o aviso evitava aborrecimentos, como multa.

Por sinal, quando era deputado, Bolsonaro foi flagrado pescando numa área protegida em Angra dos Reis. O então deputado foi multado. Depois que Bolsonaro tomou posse como presidente, o fiscal, lotado no Ibama, foi exonerado de cargo comissionado, e a multa foi anulada sob pretexto de prescrição.

Em setembro de 2023, já sob nova administração, o Ibama revalidou a multa.

A infração de Bolsonaro não tem ligação com o que fez o magistrado agora aposentado no caso do cabo Eriki. O que os une parece ser a forma como veem o mundo, em especial o mundo dos agentes públicos fardados. A lei vale para todos, menos para eles e seus protegidos.

A aposentadoria compulsória é uma humilhação, mas o juiz não terá vida dura. No ato que obriga o magistrado a se despir da toga e vestir o pijama, o presidente do Tribunal garante ao “Doutor Ronaldo João Roth”, nos termos da lei, “proventos mensais integrais”.

Ou seja, deve receber todos os meses cerca de R$ 46 mil, que é o teto constitucional.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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