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Gustavo Tapioca

Jornalista formado pela Universidade Federal da Bahia e MA pela Universidade de Wisconsin-Madison. Ex-diretor de redação do Jornal da Bahia, foi assessor de Comunicação Social da Telebrás, consultor em Comunicação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do (IICA/OEA). Autor de "Meninos do Rio Vermelho", publicado pela Fundação Casa de Jorge Amado.

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Trump abandona o disfarce, impõe bloqueio à Venezuela e anuncia o saque

Brasil entra em plena campanha para as eleições presidenciais de outubro de 2026 em um contexto que ultrapassa a política interna

O presidente dos EUA, Donald Trump - 03/12/2025 (Foto: REUTERS/Brian Snyder)

Donald Trump decretou o bloqueio naval total dos petroleiros venezuelanos, classificou o governo de Nicolás Maduro como “terrorista” e declarou que os Estados Unidos querem “de volta” o petróleo, as terras e os ativos que — segundo ele — a Venezuela teria “roubado”. 

Como analisou Breno Altman, em entrevista a Luís Nassif, trata-se de algo inédito em mais de 150 anos: o império já não simula defesa da democracia, do combate às drogas ou dos direitos humanos. Assume, sem disfarces, um imperialismo de espoliação, baseado no saque aberto das riquezas estratégicas.

Saque anunciado das riquezas venezuelanas - Os acontecimentos mais recentes representam uma ruptura histórica na política externa dos Estados Unidos para a América Latina. Donald Trump decretou o bloqueio naval total dos petroleiros venezuelanos, uma medida extrema que equivale, na prática, a um ato de guerra econômica aberta. O bloqueio não é apenas simbólico: ele atinge o coração da economia venezuelana, estrangula receitas públicas, pressiona cadeias logísticas e sinaliza ao mercado internacional que a Venezuela passa a ser tratada como território hostil.

Ao mesmo tempo, Trump abandonou até mesmo o eufemismo do narcoterrorismo e passou a classificar diretamente o governo de Nicolás Maduro como “terrorista” — categoria que, na doutrina estratégica dos Estados Unidos, autoriza ações militares, bloqueios e operações de força sem mediação diplomática, sem necessidade de mandato internacional e à revelia da ONU.

Trump: O petróleo é nosso - O elemento mais grave vai além do cerco naval. Trump declarou que os Estados Unidos querem “de volta o petróleo, as terras e os ativos que a Venezuela roubou”. Não se trata de metáfora, nem de retórica inflamada. Trata-se de uma reivindicação explícita de apropriação das riquezas nacionais de um país soberano, algo que remete diretamente à linguagem das guerras de conquista do século XIX.

Segundo análise de Breno Altman, em entrevista ao GGN, Trump foi ainda mais longe: já circula uma consulta direta às petroleiras norte-americanas, perguntando se têm interesse em explorar o petróleo venezuelano quando ele “voltar a ser nosso”. O verbo não é casual. Não se fala em parceria, negociação ou transição. Fala-se em retomada de posse, em confisco, em espólio.

Aqui, o conflito muda de natureza. Não é mais ingerência disfarçada. Não é mais guerra híbrida. É saque anunciado.

A engrenagem permanente do império - Desde o pós-Segunda Guerra Mundial, a política externa dos Estados Unidos obedece a uma lógica estrutural: impedir que recursos estratégicos escapem de sua órbita de controle. Petróleo, gás, minerais críticos, água, alimentos e rotas estratégicas nunca foram tratados como bens neutros, mas como instrumentos centrais de poder global.

Quando um país tenta exercer soberania sobre essas riquezas fora do alinhamento automático a Washington, passa a ser enquadrado como ameaça. O discurso muda conforme a conjuntura — comunismo, terrorismo, ditadura, narcoterrorismo —, mas o objetivo permanece o mesmo: subordinar riqueza material à dominação política.

Esse padrão define o que chamamos de imperialismo de espoliação: não é necessário ocupar territórios formalmente; basta controlar cadeias produtivas, fluxos energéticos, sistemas financeiros e ativos estratégicos. A dominação opera por sanções, bloqueios, chantagem, criminalização política e, quando necessário, força militar.

Chávez em 2009: “terrorista” como sentença política - Na entrevista concedida em 2009, o então presidente da Venezuela, Hugo Chávez, respondeu às acusações de que seria um “terrorista” com uma observação decisiva. O rótulo, afirmou, não descreve um crime. Cumpre uma função política precisa: deslegitimar o governo, isolá-lo internacionalmente e preparar o terreno para sanções, bloqueios e agressões.

Primeiro constrói-se o inimigo absoluto. Depois, qualquer ação contra ele passa a ser aceitável.

Ao rejeitar a acusação, Chávez expôs o método imperial com clareza histórica: quando os Estados Unidos chamam um governo de terrorista, não estão investigando fatos — estão anunciando o alvo. O petróleo, dizia ele, era o motivo estrutural por trás dessa criminalização. O que parecia advertência em 2009 hoje se revela como roteiro executado.

Exceção como licença para saquear - A ultradireita trumpista atualizou esse mecanismo ao acoplar drogas e terrorismo na categoria do narcoterrorismo. A escolha não foi semântica. Diferentemente de “narcotráfico”, o narcoterrorismo aciona automaticamente a doutrina da guerra global ao terror, que ignora fronteiras e soberanias.

Agora, Trump abandona até esse véu e retorna ao terrorismo puro, categoria que dispensa qualquer prova e funciona como licença para invadir, bloquear e confiscar. Trata-se de um atalho jurídico-militar para o imperialismo de espoliação em sua forma mais crua.

 Espoliação como política de Estado - Essa estratégia não é improviso. Está ancorada no Project 2025, documento programático do trumpismo elaborado por think tanks ultraconservadores. Nele, a América Latina reaparece como zona de segurança ampliada dos Estados Unidos, sob uma Doutrina Monroe reeditada, agora sem disfarces multilaterais.

O terrorismo — antes “narco”, agora assumido sem adjetivos — cumpre papel central nesse desenho: institucionaliza a exceção, elimina mediações diplomáticas e normaliza intervenções preventivas. A Venezuela funciona como caso-piloto. O petróleo é o troféu.

Do diagnóstico à execução do saque - Se Chávez identificou o método, a entrevista de Breno Altman a Luis Nassif, no GGN, em 18 de dezembro de 2025, demonstra como ele está sendo executado em tempo real.

Altman deixa claro que os movimentos de Trump não são bravatas eleitorais. São parte de um cerco político, econômico e logístico, destinado a recolocar a Venezuela sob tutela direta. Sanções, bloqueios, intimidação naval e consultas às petroleiras formam um único gesto: preparar a espoliação.

O risco Brasil: tentativa de pilhagem, neocolonialismo energético e mineral - Se a Venezuela é o laboratório, o Brasil é o prêmio estratégico maior. O que se desenha não é pressão diplomática, mas uma tentativa de pilhagem das riquezas brasileiras, inserida em uma retomada da lógica colonial sobre os recursos do país.

O Brasil detém a segunda maior reserva de terras raras do mundo, cerca de 90% do nióbio global, reservas estratégicas de lítio, gigantescas jazidas do pré-sal, alguns dos maiores aquíferos de água doce do planeta, a biodiversidade amazônica com enorme potencial biotecnológico e papel central na segurança alimentar global.

Esse conjunto de ativos transforma o país em alvo de um neocolonialismo energético e mineral, típico do imperialismo de espoliação contemporâneo: não se ocupa o território, busca-se controlar recursos, cadeias e fluxos. 

2026: A eleição como encruzilhada histórica - O Brasil entra em plena campanha para as eleições presidenciais de outubro de 2026 em um contexto que ultrapassa a política interna. Não se trata apenas de escolher um governante, mas de decidir qual projeto de poder prevalecerá.

De um lado, o projeto progressista liderado por Lula: soberania nacional, controle público do pré-sal, defesa da Amazônia com protagonismo brasileiro, integração latino-americana, BRICS e política externa ativa e não alinhada.

Do outro, o projeto da extrema-direita brasileira, organicamente conectado ao trumpismo e ao Project 2025, que aceita a lógica da exceção, relativiza a soberania e abre caminho para o imperialismo de espoliação.

Imperialismo de espoliação e a lógica do dominó - Hugo Chávez avisou em 2009 que chamar um governo de “terrorista” não era acusação — era sentença. Breno Altman demonstra, em 2025, que essa sentença entrou em execução. Trump não ameaça. Reivindica.

Não disfarça. Confessa. O bloqueio naval, a classificação da Venezuela como Estado terrorista e a promessa de que o petróleo “vai voltar a ser nosso” marcam a volta explícita do saque como política internacional.

Aplica-se aqui a Teoria do Dominó: conceito geopolítico segundo o qual a queda de um país para uma potência imperialista provoca uma reação em cadeia, levando países vizinhos a “caírem” sucessivamente. A Venezuela é o primeiro movimento. Se ela cair, o método se normaliza. 

E o Brasil é a peça seguinte mais valiosa. Interromper essa lógica ou permitir que ela avance é a escolha histórica colocada em 2026. A história já está em movimento. O ano eleitoral de 2026 já começou — e cobra posição.

Precedente perigoso - Em discurso incisivo aos chefes de Estado, neste sábado 20, na Cúpula do Mercosul, em Foz do Iguaçu (PR), o presidente Lula fez um dos alertas mais duros de seu terceiro mandato sobre a segurança regional: 

“Passadas mais de quatro décadas desde a Guerra das Malvinas, o continente sul-americano volta a ser assombrado pela presença militar de uma potência extrarregional. Os limites do direito internacional estão sendo testados. Uma intervenção armada na Venezuela seria uma catástrofe humanitária para o hemisfério e um precedente perigoso para o mundo”.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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