Um "estado paralelo, capitaneado pelos capos da política fluminense"
Violência estatal, manipulação política e a consolidação de um poder paralelo expõem a urgência de intervenção federal no Rio de Janeiro
O título deste artigo foi retirado da afirmação feita pela Polícia Federal, na representação do pedido de prisão preventiva do presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), nos autos da Petição 14.969, reproduzida na decisão do ministro Alexandre de Moraes, que decretou a prisão requerida.
Desde a realização da violenta operação policial no Complexo do Alemão, em 28/11/2025, tenho defendido a intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro, conforme autoriza a Constituição (artigo 34, III), para “pôr termo a grave comprometimento da ordem pública”, uma vez que as autoridades do estado têm se revelado incapacitadas de garantir a paz social, diante de sua proximidade com o crime organizado. Por muito menos, em 16/02/2018, foi decretada a intervenção federal na segurança pública do Estado do Rio de Janeiro.
Nas palavras do saudoso constitucionalista José Afonso da Silva, falecido recentemente aos cem anos de idade, “os pressupostos de fundo da intervenção federal nos Estados constituem situações críticas que põem em risco a segurança do Estado”.
Tal é a situação que se apresenta hoje no Rio de Janeiro, de evidente risco à segurança do Estado, a ponto de a Polícia Federal ter afirmado, com base em suas investigações, “a existência de um verdadeiro estado paralelo, capitaneado pelos capos da política fluminense, que nos bastidores vazam informações que inviabilizam o sucesso de operações policiais relevantes contra facções criminosas violentas, a exemplo do Comando Vermelho”.
E mais: a Polícia Federal esclarece que “um dos ingredientes nefastos dessa teia criminal do Rio de Janeiro é a interação dos grupos criminosos violentos com agentes públicos. O caso em análise é o retrato perfeito da espoliação dos espaços públicos de poder pelas facções criminosas no Rio de Janeiro. (...) Cabe destacar que um possível objetivo subjacente da ação obstrutiva é a manutenção do vínculo desses agentes políticos com o Comando Vermelho, facção responsável pelo maior controle territorial do Estado do Rio de Janeiro, o que se traduz em milhões de votos no pleito eleitoral que se avizinha”.
O ministro Alexandre de Moraes, na decisão que deferiu a prisão do presidente da Assembleia Legislativa, expôs que:
“Conforme tive a oportunidade de me manifestar quanto à necessidade da repressão uniforme de crimes de repercussão interestadual e internacional, uma das principais características das organizações criminosas atuantes no estado do Rio de Janeiro, além do domínio territorial mediante uso da força e da capacidade de corromper agentes públicos e políticos em escala, é a infiltração política que tais grupos alcançaram nos últimos anos, seja na esfera municipal, estadual ou federal. Os fatos narrados pela Polícia Federal são gravíssimos, indicando que RODRIGO DA SILVA BACELLAR estaria atuando ativamente pela obstrução de investigações envolvendo facção criminosa e ações contra o crime organizado, inclusive com influência no Poder Executivo estadual, capazes de potencializar o risco de continuidade delitiva e de interferência indevida nas investigações da organização criminosa".
Ou seja, as investigações em curso expõem a situação crítica de total “comprometimento da ordem pública” no Estado do Rio de Janeiro, com o envolvimento direto de autoridades políticas com o crime organizado, com influência sobre a ordem democrática, com uma proximidade que pode se traduzir “em milhões de votos no pleito eleitoral que se avizinha” (em 2026), como afirmou a Polícia Federal.
Estes graves fatos justificam a intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro, inclusive com o necessário e preventivo afastamento do governador, sob suspeita, de suas funções.
As evidências demonstram que a operação policial realizada no Complexo do Alemão, em 28/11/2025, “longamente pensada”, como manifestou o governador, tinha como objetivo real a criação de um cenário diversionista que repercutisse em favor das autoridades do Rio de Janeiro, sob a alegação de que estariam enfrentando o crime organizado no estado. Porém, as investigações policiais em curso revelam o contrário, como expôs o ministro Alexandre de Moraes:
“A autoridade policial afirma, ainda, que (a) ‘logo após a efetivação das medidas cautelares, o governador do estado e a cúpula da Alerj promoveram uma célere manobra regimental. Esta ação política, que remete à notória Carta Picciani, resultou no retorno imediato de um deputado titular ao cargo, exonerando TH JÓIAS (seu suplente) do mandato parlamentar, conforme consta na edição extraordinária do DOEJ de 3/9/2025, dia da deflagração das operações policiais’; e (b) ‘a movimentação se justifica como uma estratégia imediata de controle de danos, visando desvincular a imagem da Alerj do investigado TH JÓIAS, que, como é de conhecimento público, era aliado político e presença constante em eventos institucionais dos Poderes Executivo e Legislativo’".
Vale lembrar que a referida operação no Complexo do Alemão não levou à prisão de nenhuma liderança importante da organização criminosa, mas promoveu a morte de mais de cento e vinte pessoas, para encenar uma desvinculação do poder público com o crime organizado.
Não bastasse a destruição de vidas e a promoção do pânico social, o governador do Rio de Janeiro, na oportunidade, ainda culpou covardemente o presidente Lula (que estava na Ásia), sob a alegação de que a Marinha não teria cedido carros de combate para serem empregados na operação policial.
Com isso, criou-se um factoide no cenário político, logo aproveitado pela extrema direita, cujos expoentes estavam em situação de desespero diante da prisão definitiva do ex-presidente condenado. Com a chacina, tentaram convencer a população de que os problemas da segurança pública seriam de responsabilidade do governo do presidente Lula, o que é uma mentira, pois, pela Constituição, a segurança é atribuição dos governos estaduais, a quem cabe garantir a preservação da ordem pública e a incolumidade das pessoas e seu patrimônio.
Nos dias que se seguiram à chacina, governadores bolsonaristas estiveram no Rio de Janeiro para manifestar seu apoio ao governador do estado e defender sua política de matança generalizada como pretensa solução para o enfrentamento ao crime organizado.
Porém, conforme agora demonstrado pela Polícia Federal e pela decisão do ministro Moraes, essas ações configuram um acobertamento das ligações do “estado paralelo” com o poder público, notadamente com o apoio de políticos de extrema direita.
Portanto, a partir de agora, as pontas dessas conexões criminosas no Rio de Janeiro estão interligadas definitivamente e, assim, esperamos que seja dado total apoio à Polícia Federal para continuar firme com seu trabalho de inteligência para investigar as conexões do crime organizado com o poder público e políticos no estado.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




