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Wang Yiwei

Wang Yiwei é Professor Titular da Cátedra Jean Monnet, vice-presidente da Academia do Pensamento de Xi Jinping sobre o Socialismo com Características Chinesas para uma Nova Era da Universidade Renmin da China.

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Um mundo multipolar igualitário e ordenado é a base para a reconstrução da ordem global

A China rejeita qualquer ideia de um “G2”. O país não deseja substituir os Estados Unidos como hegemon global

Intelectuais debatem a multipolaridade em evento do Valdai Club (Foto: Divulgação)

O cenário geopolítico internacional vive uma transformação profunda. A ordem estabelecida no pós-Guerra Fria se fragmenta com velocidade crescente, enquanto um novo equilíbrio multipolar se consolida. Nesse contexto, a Eurásia ressurge como eixo central das relações internacionais: é ali que se desenham as novas formas de cooperação, competição e disputa de poder que moldarão o futuro global.

Foi nesse ambiente que, entre 10 e 11 de novembro de 2025, ocorreu em Istambul a 16ª Conferência Asiática organizada pelo Clube de Discussão Valdai em parceria com o Instituto de Ancara. Com o tema “A Eurásia em um mundo fragmentado”, o encontro reuniu especialistas, acadêmicos, diplomatas e representantes de centros de pesquisa de diversos países. Debateram-se questões essenciais: o redesenho do tabuleiro geopolítico eurasiático, as novas dinâmicas de cooperação regional e o futuro da governança global.

Participaram do evento, entre outros, o presidente do Conselho do Clube Valdai, Andrey Bystritskiy; o encarregado de negócios da Rússia na Turquia, Alexey Ivanov; e o diretor de pesquisa do Instituto de Ancara, Taha Özhan. Ao longo das cinco sessões temáticas, dezenas de convidados da Índia, Rússia, China, Turquia e outros países apresentaram suas visões sobre a transição histórica em curso.

Entre eles esteve Wang Yiwei (titular desta coluna no Brasil 247), professor da Universidade Renmin da China, diretor do Instituto de Assuntos Internacionais e especialista reconhecido em estudos europeus. Convidado a discutir o futuro da ordem mundial, Wang apresentou uma reflexão profunda sobre o papel da China na construção de um mundo multipolar equilibrado e inclusivo. A seguir, traduzimos e organizamos sua intervenção, apresentada no dia 11 de novembro em Istambul.

A filosofia chinesa de um mundo multipolar igualitário e ordenado

Wang Yiwei parte de uma premissa clara: o mundo vive uma transformação sem precedentes em um século. A ordem internacional formada após a Segunda Guerra Mundial passa por ajustes, e o modelo westfaliano de relações entre Estados, baseado na competição entre grandes potências, já não oferece respostas para os desafios contemporâneos.

A China rejeita qualquer ideia de um “G2”. O país não deseja substituir os Estados Unidos como hegemon global. Ao contrário, sua experiência histórica com a disputa entre EUA e URSS — da qual foi vítima — alimenta uma visão crítica sobre qualquer lógica de dominação. A tradição chinesa, lembra Wang, baseia-se na ideia descrita no I Ching: “um conjunto de dragões sem cabeça”, expressão que nega a noção de um líder único e afirma a cooperação horizontal.

Além disso, a era da inteligência artificial torna inviável o modelo norte-americano de “vencedor leva tudo”. O futuro, afirma, pertence aos sistemas abertos, cooperativos e interconectados.

O que significa, para a China, um mundo multipolar igualitário e ordenado

A proposta chinesa combina dois elementos: multipolaridade igualitária e globalização econômica inclusiva. O ponto central é simples: todos os países, grandes ou pequenos, devem ser tratados com igualdade; hegemonias e imposições unilaterais devem ser rejeitadas; e a governança global deve tornar-se mais democrática.

Segundo Wang, para que esse processo seja estável e construtivo, o mundo precisa respeitar a Carta da ONU, o direito internacional e o verdadeiro multilateralismo — não o multilateralismo seletivo e instrumentalizado pelo Ocidente.

Por que, então, o Ocidente desconfia da multipolaridade?

Wang identifica três raízes históricas:

  1.  A herança do monoteísmo, que gerou uma visão civilizacional centrada no Ocidente e influenciou sua concepção de “valores universais”, frequentemente utilizados como ferramenta de poder.
  2.  A doutrina da “natureza humana má”, derivada do conceito cristão do pecado original, que levou à crença de que a política internacional é um campo inevitável de competição e conflito.
  3.  A dificuldade do Ocidente em lidar com a transição civilizacional atual, que desloca o mundo da era industrial para a era digital e ecológica.

O resultado é que a multipolaridade ocidental sempre foi desigual, excludente e desordenada. Já a proposta chinesa busca romper esse ciclo e superar o paradigma da competição hegemônica.

A visão chinesa de igualdade

Na tradição chinesa, “igualdade” não é uma abstração moral, mas um princípio prático sustentado por três dimensões:

1. Igualdade de origem

Inspirada no budismo (“todos os seres são iguais”) e na cosmologia chinesa (“todos os deuses são iguais”), ampliada para o plano político (“todos os países são iguais”). Wang lembra que o intelectual chinês Zhang Pengchun influenciou diretamente a Declaração Universal dos Direitos Humanos ao substituir o termo “created equal” (“criados iguais”, de inspiração religiosa) por “born equal” (“nascidos iguais”), universalizando o conceito.

2. Igualdade de processo

Todos os países devem estar “à mesa” das decisões globais. O problema do mundo atual, diz Wang, é que alguns países ocupam a mesa enquanto outros se transformam em “pratos do cardápio”, sem voz própria.

3. Igualdade de resultados

A China defende que soberania significa, também, capacidade real de desenvolvimento. Por isso promove iniciativas como a Nova Rota da Seda, que busca criar condições materiais para que mais países tenham autonomia efetiva.

O que é “ordem” para a China

Wang contrapõe sua visão ao discurso ocidental sobre uma “ordem baseada em regras”. Para a China, três perguntas essenciais precisam ser feitas:
— Quais regras?
— Quem as criou?
— Para quem elas servem?

A verdadeira ordem, defende ele, deve ser aberta, inclusiva e global, não um mecanismo para manter privilégios de quem esteve no topo da hierarquia internacional nos últimos séculos. O mundo precisa abandonar alianças militares que apenas reproduzem estruturas de dependência — como a OTAN, que persistiu mesmo após o fim da Guerra Fria e contribuiu para crises como o conflito na Ucrânia.

“Ordem”, para a China, significa cooperação, não competição; consenso, não imposição; autorregulação interna, não coerção externa.

Como construir um mundo multipolar igualitário e ordenado

Wang defende um processo gradual, não revolucionário. A metáfora é conhecida: quando um ovo se rompe de fora para dentro, vira alimento; quando rompe de dentro para fora, nasce vida. Assim deve ser a reconstrução da ordem global.

Ele cita o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura como exemplo: a China possui poder de veto, mas jamais o utilizou; o banco segue normas internacionais e beneficia especialmente países em desenvolvimento, como a Índia. A mesma lógica se aplica à Iniciativa Cinturão e Rota, ao BRICS+, à Organização de Cooperação de Xangai e às novas frentes de diálogo sobre inteligência artificial.

Para Wang, é assim que se constrói uma nova governança: com participação, compartilhamento e inclusão, e não com hegemonias e exclusões.

Conclusão

O mundo iniciado no pós-guerra está esgotado. A transição civilizacional em curso exige novas ideias e novas estruturas. A proposta chinesa — baseada na igualdade entre nações, na ordem construída de dentro para fora e em uma visão aberta de futuro — oferece um caminho possível para evitar que a fragmentação atual se transforme em caos.

Ao advogar por uma multipolaridade igualitária e ordenada, a China não pretende substituir um império por outro: sua ambição, segundo Wang Yiwei, é contribuir para o fim da própria lógica imperial e inaugurar uma nova fase da humanidade, baseada na cooperação, na diversidade e na corresponsabilidade planetária.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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