PF resgata 54 vítimas e prende 78 em ações contra tráfico humano
Centro sediado no Brasil desarticula redes de imigração ilegal e exploração em vários países
247 - Uma ofensiva internacional contra o tráfico de pessoas e o contrabando de migrantes resultou no resgate de dezenas de vítimas e na prisão de suspeitos ligados a redes criminosas transnacionais. As investigações revelam esquemas que exploram pessoas vulneráveis por meio de falsas promessas de emprego, exploração sexual e submissão a condições análogas à escravidão, com atuação cada vez mais intensa no ambiente digital.
No primeiro ano de funcionamento, o Centro Especializado contra o Contrabando de Migrantes e Tráfico de Pessoas da Ameripol resgatou 54 pessoas que estavam sob controle de organizações criminosas e prendeu 78 suspeitos. Entre as vítimas identificadas estão mulheres e crianças exploradas sexualmente no Haiti e na Espanha, além de pessoas submetidas a trabalho escravo ou degradante na Europa e no estado de São Paulo. A maior parte foi atraída por ofertas de trabalho que nunca se concretizaram.
Criado em 2022 e em operação desde o fim do ano passado, o centro tem sede no Brasil e é dirigido pelo delegado da Polícia Federal Daniel Daher. A estrutura funciona a partir da cooperação entre forças policiais de países das Américas, com o objetivo de dar maior agilidade e efetividade às investigações de crimes transnacionais. Nas ações voltadas à imigração ilegal, foram desarticuladas redes que enviavam pessoas para a União Europeia por meio do uso de passaportes de terceiros ou da falsificação de vistos.
De acordo com o delegado, os Estados Unidos estão entre os destinos mais buscados por migrantes em situação irregular. Ele aponta que coiotes chegam a cobrar até US$ 20 mil, cerca de R$ 110 mil, por pessoa, movimentando cifras bilionárias. As rotas incluem travessias terrestres pela Floresta de Darién, na fronteira entre Panamá e Colômbia, considerada uma das regiões mais perigosas do mundo.
“Essas pessoas estão sujeitas a ataques de animais selvagens, doenças tropicais, abusos de coiotes e das organizações que cometem estes crimes. Além de oferecer risco de vida e de integridade física e mental muito grande”, afirmou Daher.
Dados analisados pela Polícia Federal indicam que, em 2024, 22.990 brasileiros foram detidos ao tentar entrar ilegalmente nos Estados Unidos. Na terça-feira (10), a embaixada norte-americana no Brasil divulgou um vídeo direcionado a imigrantes em situação irregular, incentivando o uso de um aplicativo oficial do governo para retorno ao país de origem. A iniciativa foi apresentada como um “presente de fim de ano perfeito” do Departamento de Segurança Interna (DHS), ligado ao governo de Donald Trump, atual presidente dos Estados Unidos, que tem o endurecimento da política migratória como uma de suas bandeiras.
O número de brasileiros deportados dos Estados Unidos até quarta-feira (1º de outubro) já é o maior desde pelo menos 2020. Até essa data, 2.262 cidadãos haviam sido retirados do território norte-americano, um aumento de 36,2% em relação aos 1.660 registrados em todo o ano de 2024, ainda sob o governo Biden.
O delegado ressalta que, nesses casos, o criminoso é quem explora a imigração ilegal para obter vantagem financeira, e não o migrante que busca melhores condições de vida. Segundo ele, o migrante não deve ser preso quando identificado, mas sim extraditado. A legislação brasileira define como tráfico de pessoas crimes como exploração sexual, trabalho escravo ou análogo à escravidão, remoção de órgãos e adoção ilegal, com penas que variam de quatro a oito anos de reclusão, além de multa, podendo ser aumentadas quando envolvem crianças e adolescentes.
As investigações também alcançaram migrantes que passaram pelo Brasil vindos da América Central com destino final à Europa. Em junho, a Operação Vuelta mirou um grupo responsável pela logística dessas viagens, incluindo a passagem pelo território brasileiro com documentos falsificados, envolvendo principalmente cidadãos da República Dominicana. Também foram identificados casos de exploração laboral envolvendo bolivianos, africanos e venezuelanos.
Segundo Daher, centros de telemarketing no Sudeste Asiático e falsas agências de modelos têm atraído vítimas com promessas de emprego que terminam em exploração e cárcere privado. “As vítimas são seduzidas por uma boa proposta, com custos pagos. Isso salta os olhos. Só que elas chegam no local e encontram uma realidade diferente. São colocadas em cárcere privado, obrigadas a trabalhar em jornadas além da prometida e sofrem violência física e psicológica”, afirmou.
O delegado alerta que boa parte desses crimes migrou para o ambiente virtual, com uso de redes sociais e sites falsos para recrutar pessoas vulneráveis. Ele destaca ainda que, para o próximo ano, o foco será ampliar ações de prevenção e fortalecer o apoio às vítimas resgatadas, com capacitação de agentes e articulação com entidades de acolhimento. “Quando se fala em polícia, prioritariamente se pensa em repressão. Só que tem um papel importantíssimo de dar assistência às vítimas, pois é a primeira que chega no local e tem o contato com elas. Não podemos prender o traficante e deixar a vítima sem apoio. Também temos esse papel humanitário”, concluiu.



