Desigualdade cresce e 10% concentram 70% da riqueza no Brasil
Estudo indica que, enquanto os mais ricos acumulam a maior parte da riqueza, a metade da população divide apenas 2,4%
247 - A desigualdade brasileira voltou a ganhar destaque após novos dados revelarem um aumento significativo na concentração de renda e patrimônio nos últimos dez anos. A constatação integra a terceira edição do Relatório Mundial sobre a Desigualdade 2026, produzido pela rede World Inequality Lab, liderada pelo economista francês Thomas Piketty. As informações são do jornal O Globo.
De acordo com o estudo, os 10% mais ricos, o equivalente a 21,2 milhões de pessoas, ficam com 59% de toda a renda gerada e acumulam 70% da riqueza nacional. Na outra ponta, a metade mais pobre da população divide somente 9,3% da renda e acessa apenas 2,4% do patrimônio total.
Concentração no topo da pirâmide
O levantamento reforça que a desigualdade brasileira permanece entre as maiores do mundo. O 1% mais rico — cerca de 2,1 milhões de pessoas — concentra 37% de toda a riqueza existente no país, incluindo imóveis, empresas, aplicações financeiras e outros ativos. Em termos de renda, esse grupo fica com quase 27% do total produzido.
O estudo evidencia ainda por que as disparidades persistem mesmo em momentos de crescimento econômico. A renda proveniente do trabalho não consegue compensar a diferença estrutural no acesso a ativos e capital, fatores essenciais para a mobilidade ao longo da vida.
Estagnação na participação feminina
Os pesquisadores também analisaram a presença das mulheres no mercado de trabalho. Em dez anos, a evolução foi mínima: de 37,3% em 2014 para 37,4% em 2024. A estagnação confirma que as desigualdades de gênero seguem profundas, mesmo diante de avanços pontuais em outros indicadores econômicos.
Efeito dos juros altos na desigualdade
Marcelo Neri, economista e diretor da FGV Social, lembrou que, segundo estudo recente do IBGE baseado na Pnad Contínua, a desigualdade havia caído em 2024, atingindo o menor nível da série histórica. Ele afirmou, porém, que a diferença entre os números do IBGE e os da equipe de Piketty ocorre porque o instituto brasileiro considera apenas a renda do trabalho, deixando de fora o peso da renda financeira.
"Ao incorporar a renda financeira, temos o efeito dos juros altos, então a desigualdade é maior e apresenta uma trajetória distinta", explicou. Ele ressaltou que o estoque de riqueza inclui ativos financeiros e reais, como imóveis, veículos e outros bens.
Neri observou que a taxa básica de juros elevada prejudica a acumulação de ativos pela população, ao mesmo tempo que aumenta os ganhos de quem possui capital investido. "Taxa de juros alta gera renda financeira, enquanto inibe a acumulação de ativos físicos por parte da população, a pensar por moradia. Então, quando a gente olha para a ótica dos estoques de riqueza, o cenário é mais complicado do que o de estoques de renda, não só na fotografia a longo prazo, mas também no filme dessas mudanças brasileiras recentes."
Mercado de trabalho avança, mas políticas têm limites
O economista destacou que o mercado de trabalho vem ajudando a elevar a renda dos mais pobres, mesmo com os desafios impostos pelos juros altos. Ele acrescentou que programas sociais seguem essenciais, embora não devam registrar expansões significativas nos próximos anos.
Quanto às mudanças no Imposto de Renda, Neri avaliou que elas melhoram o poder de compra da população de renda média e baixa, mas têm efeito limitado no combate estrutural à desigualdade, já que não afetam de forma significativa os extremos da distribuição.
Na sua avaliação, medidas que atinjam diretamente o topo da pirâmide seriam mais eficazes. "Não é simples, tem que ser algo bem feito. Mas é uma política de combate à desigualdade lá no topo da distribuição, que foca nos extremos, assim como o Bolsa Família, que foca no extremo mais pobre", afirmou, lembrando que milionários e bilionários recorrem frequentemente a mecanismos de defesa tributária e deslocamento de capitais.



