'Prisão de generais marca ruptura histórica na República brasileira', diz professora da USP
Maria Aparecida de Aquino afirma que condenações dos golpistas de 8 de janeiro encerram tradição de impunidade militar
247 - A historiadora e professora aposentada da USP Maria Aparecida de Aquino classificou como “absolutamente histórico” o momento vivido pelo Brasil com a condenação e início da execução da pena de generais das Forças Armadas envolvidos na tentativa de golpe de 8 de janeiro. Segundo a professora, o país rompe, pela primeira vez, com uma tradição secular de impunidade das elites militares.
“A gente vem de uma república caracteristicamente da espada, que se inicia com um golpe e vai ter sucessivos golpes ao longo do caminho. E o que acontece é que nunca há uma culpabilidade das pessoas que cometeram crimes nesses períodos autoritários”, afirma.
Ela ressaltou que as atuais condenações não se tratam de vingança, mas de uma mudança estrutural no funcionamento da República. “Eu não estou satisfeita porque as pessoas estão presas. A questão é que essas prisões são absolutamente históricas. Elas representam uma ruptura com a estrutura própria da República brasileira.”
A historiadora destacou ainda o simbolismo inédito das condenações: “Aqui, inclusive, são generais de quatro estrelas. Isso jamais aconteceu na história do Brasil. Então é antes e depois.”
Democracia exige vigilância permanente
Durante a entrevista, Maria Aparecida de Aquino alertou que a democracia não se sustenta sem participação ativa da população. “Democracia dá trabalho. As pessoas acham que democracia é só votar. Não é só isso. Você precisa acompanhar, cobrar, exigir.”
E reforçou: “Só há uma solução: exercer uma democracia de participação ativa da população. Senão, o retrocesso a cada esquina vai estar nos esperando.”
A professora também fez um alerta sobre o risco de retrocessos institucionais, citando inclusive a experiência da anistia na ditadura. “A gente gritou por uma anistia ampla, geral e irrestrita. Veio ampla, geral e irrestrita para torturados e torturadores. Então é preciso muito cuidado.”
Papel das Forças Armadas
Ao comentar o papel histórico dos militares no Brasil, Maria Aparecida foi categórica ao afirmar que as Forças Armadas devem se limitar à função constitucional.
“Lugar de milico é na caserna. Ele só vai sair da caserna na defesa dos interesses da população ou em caso de agressão externa”, enfatiza.
Ela criticou o uso político das instituições militares. “Devido à ditadura militar, houve um mau uso das Forças Armadas. Elas se acostumaram muito mal ao estar no centro do palco.”
Para ela, o exercício do poder político pelos militares também os desgastou internamente. “A ideia da coesão interna foi conspurcada ao longo da ditadura. O exercício do poder político também os desgastou.”
A professora avaliou positivamente a postura do atual comandante do Exército. "Nós temos um comandante, o general Tomás Paiva, que faz discursos em defesa da democracia. Isso me deixa mais calma”, frisa.
No entanto, afirmou que a verdadeira mudança passa pelo ensino militar. “Se você não modificar o ensino que é ministrado nas escolas militares, vamos continuar tendo um comportamento nocivo das Forças Armadas.”
E defendeu uma ação conjunta entre civis e militares. “É preciso criar um colégio misto entre civis e militares para estudar o currículo e ter coragem de mudar o que se ensina.”



