Kakay diz que Bolsonaro é um “serial killer” e defende punição exemplar a militares golpistas
Jurista afirma que prisão de generais é ainda mais simbólica que a de Bolsonaro
247 – O advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, classificou Jair Bolsonaro como um “serial killer” e defendeu a punição exemplar de militares de alta patente envolvidos na tentativa de golpe de Estado como condição para a consolidação da democracia brasileira. As declarações foram feitas em entrevista ao programa “Juca Kfouri Entrevista”, da TVT, em que o jurista comentou o julgamento do ex-presidente e de generais no Supremo Tribunal Federal (STF), a reação das Forças Armadas e as consequências políticas e institucionais do processo.
Logo no início da conversa, Juca lembra que Kakay acertou a data do julgamento definitivo de Bolsonaro, a pena e até o momento da prisão. O advogado explica que não teve informação privilegiada, mas aplicou sua experiência de décadas no STF.
“Quando saiu a denúncia, dia 18 de fevereiro, eu li, vi quantos fatos, vi as imputações, eu advoguei em quase todo caso importante do Supremo. Eu conheço o rito do Supremo, conheço o regimento do Supremo profundamente”, contou. A partir disso, ele concluiu: “Olha, setembro esse processo vai ser julgado”.
Segundo Kakay, o fato de haver réu preso – o general Walter Braga Netto – obrigava o tribunal a dar mais celeridade ao caso. Da mesma forma, ele calculou que, “no final de novembro”, Bolsonaro já estaria cumprindo pena, como de fato ocorreu.
Democracia em jogo e recusa em defender bolsonaristas
Kakay lembra que sempre atuou na defesa de “inimigos públicos número um”, em casos de grande repercussão, mas que fez uma opção de princípio diante da tentativa de golpe articulada a partir do Palácio do Planalto.
“Eu fui procurado por pessoas para atuar nesse caso. Eu me neguei a atuar. Eu critico quem pegou ou não, mas esse caso eu me neguei a ter cliente do caso dos golpistas”, afirmou.
Ele destaca a gravidade do que ocorreu: “O que esteve em jogo foi a democracia brasileira. Nós passávamos por um período longo de certa estabilidade e uma tentativa de golpe vindo por quem está no poder, o presidente da República, os principais aliados, generais, almirantes, ministros, é de uma gravidade ímpar”.
Em outro momento, Kakay revela que o próprio Bolsonaro tentou contratá-lo:
“O Jair Bolsonaro me procurou para advogar para ele num dado momento. Um amigo empresário pediu para recebê-lo. Ele chegou, não sabia que era ele, senão nem o receberia”, relata. Após ouvir o ex-presidente, o jurista foi direto: “Olha, deixa eu dizer uma coisa pro senhor, nem fale que não tem hipótese de eu advogar pro senhor”.
Questionado se usaria o argumento de “tortura” na defesa, como vem sendo feito por setores bolsonaristas, Kakay foi categórico: “Falar em tortura para o cidadão como o Bolsonaro é um, eu diria que é um desatino. É um desatino jurídico, um desatino de oportunidade”.
“Bolsonaro é um serial killer” e ainda será julgado pela pandemia
Para o advogado, a condenação de Bolsonaro por participação na trama golpista é apenas parte da responsabilização necessária. Ele diz esperar que o ex-presidente ainda responda pelos crimes cometidos na condução da pandemia de Covid-19.
“O Bolsonaro ele é uma pessoa, ele é um serial killer, ele ainda vai ser condenado, espero, pelo que fez na pandemia. Ele fez crimes de uma forma inacreditável”, afirma Kakay.
O jurista se diz perplexo com o fato de o país ter escolhido Bolsonaro para a Presidência: “Eu escrevi um artigo recente no ICL dizendo como é que o Brasil elege um homem desse. Ele é um misógino, é um racista, ele ofende as mulheres, é uma coisa horrível”.
Apesar do histórico de radicalização, Kakay observa que o bolsonarismo não conseguiu mobilizar a sociedade em defesa do ex-presidente após a condenação e a prisão, o que, para ele, revela maturidade democrática:
“Ele lá em novembro dizia: ‘Se encostarem a mão no general, Brasil para’. Prenderam o Braga Netto tem um ano, ninguém lembra dele. Depois fala: ‘Se prenderem Bolsonaro, o Brasil para’. Prenderam o Bolsonaro, (...) tinha duas, três pessoas manifestando. (...) No outro dia já não tinha ninguém. (...) Isso é uma maturidade democrática.”
Prisão de generais é ainda mais simbólica que a de Bolsonaro
Embora reconheça o impacto da condenação de um ex-presidente da República, Kakay considera que a punição a generais e oficiais de alta patente tem um peso ainda maior para a democracia.
“Para mim, eu não tenho nenhuma dúvida de uma importância bastante maior da condenação e prisão dos militares, generais”, diz. Ele cita, como exemplo, o general Augusto Heleno e o próprio Braga Netto, lembrando que militares que, no exercício do poder, atentam contra a ordem democrática cometem um dos atos mais graves possíveis dentro da carreira.
Para o advogado, não há dúvida de que eles devem perder posto e patente no Superior Tribunal Militar (STM):
“Militares que no exercício do poder atentaram contra a democracia é algo de uma gravidade ímpar, porque para isso eles têm que ter feito algo indigno, para serem ter as patentes caçadas. Se isso não for indigno, temos que fechar o STM”, afirma.
Kakay relata o mal-estar dentro das Forças Armadas por ter de abrigar condenados em estabelecimentos militares:
“Eu sinto e converso um extremo, eu diria, um mal-estar de pessoas muito importantes, especialmente no Exército, de ter que acolher essas pessoas que estão condenadas há 27 anos, há 26 anos e que têm altas patentes”, contou.
Ele avalia que, com a perda da patente, os condenados deverão ser transferidos para o sistema penitenciário comum, como a Papuda ou Bangu, deixando os quartéis.
STF, regimento e fim de ilusões sobre “recursos milagrosos”
A entrevista também desmonta narrativas difundidas por setores da direita sobre supostas brechas para reverter a condenação de Bolsonaro, especialmente a ideia de que recursos poderiam levá-lo à segunda turma do STF e resultar em sua libertação.
“Isso só pode ter vindo de alguém que nunca estudou direito. Nenhum estudante de direito falaria tal absurdo processual”, afirma Kakay.
Ele explica que, desde 2023, o regimento do Supremo determina que processos criminais sejam julgados nas turmas e que, no caso Bolsonaro, não há base jurídica para embargos infringentes ou envio a outra turma:
“Não pode haver privilégio e nem diferença, porque senão você poderia causar nulidade. (...) Não tem como ir pra segunda turma. Essa hipótese é absolutamente fora de qualquer discussão jurídica. Não existe isso. (...) O processo está terminado e as pessoas estão cumprindo pena porque é uma decisão do Supremo Tribunal Federal.”
Sobre revisão criminal, o jurista é realista: “A experiência indica: revisão criminal de um processo julgado no Supremo Tribunal Federal é raro e dificílimo”.
Alexandre de Moraes, o Supremo e o freio institucional ao golpe
Kakay dedica parte importante da conversa a elogiar a atuação do STF e, em especial, do ministro Alexandre de Moraes na contenção da tentativa de golpe.
“O Supremo Tribunal, um poder patrimonialista, machista, racista, reacionário, foi o poder que botou o pé na porta em prol da democracia. Isso tem que ser comemorado”, afirma.
Sobre Alexandre, ele diz que a história fará justiça ao papel do ministro:
“É muito impressionante você abrir o Supremo Tribunal Federal, as pessoas que estão lá e perguntar quem seria a pessoa para poder fazer o enfrentamento numa tentativa de golpe. (...) O ministro Alexandre, seguramente, a história também lhe fará justiça, não tenha dúvida, a coragem, a técnica, ele foi moderado quando tinha que ser moderado.”
Como exemplo dessa moderação, Kakay lembra que, quando Bolsonaro descumpriu cautelares, o caminho natural seria a prisão preventiva, mas Moraes optou pela prisão domiciliar para evitar tumultos.
O advogado também defende o modelo atual de escolha de ministros – indicação pelo presidente da República e sabatina no Senado – embora veja com bons olhos a discussão sobre mandatos de 12 a 15 anos, em vez de cargos vitalícios.
Sistema penitenciário, direitos humanos e o “legado” paradoxal de Bolsonaro
Um dos pontos mais fortes da entrevista é a reflexão sobre o sistema carcerário brasileiro. Kakay costuma ser alvo da extrema direita por defender garantias e direitos humanos. Agora, ele vê ironia no fato de o bolsonarismo, diante da prisão de seu líder, recorrer ao discurso que antes desprezava.
“Eu fico realmente muito feliz em ver agora a extrema direita defendendo bandeiras dos direitos humanos”, diz, lembrando que sempre ouviram frases como “bandido bom é bandido morto” e que “cadeia é mesmo um lugar para as pessoas serem maltratadas”.
O jurista vê na prisão de Bolsonaro e de altas patentes das Forças Armadas uma oportunidade única para discutir com seriedade o sistema penal:
“Talvez a gente tenha a primeira chance na história do Brasil de discutir com seriedade o sistema carcerário brasileiro”, afirma.
Ele defende a realização de um mutirão nacional para identificar presos em situação semelhante à de Bolsonaro, que poderiam ter direito a benefícios como prisão domiciliar:
“Eu estou defendendo, Juca. Por exemplo, se o Bolsonaro for para domiciliar, nós temos que fazer um grande mutirão no Brasil para ver quantas pessoas estão presas em situação como ele, que têm direito a domiciliar já há aquele tempo. Não quero perseguição, mas não quero privilégio.”
Kakay lembra o mutirão conduzido por Gilmar Mendes no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que encontrou pessoas presas há anos depois de terem cumprido a pena ou até sem sentença definitiva. Para ele, o sistema brasileiro é “absolutamente falido” e foi reconhecido pelo próprio STF como um “estado de coisas inconstitucional”, sem que isso tenha produzido mudanças práticas.
Ao comentar a possibilidade de Bolsonaro cumprir pena em presídio comum, Kakay defende a humanização das prisões, cita experiências no exterior e insiste: mesmo condenado, o cidadão não perde os direitos inerentes à dignidade humana.
Risco de novos golpes e a necessidade de punir todos os envolvidos
Questionado se a punição a militares e a Bolsonaro basta para afastar definitivamente a hipótese de novos golpes, Kakay é cauteloso.
“Eu não diria completamente, mas eu digo quase completamente”, afirma.
Ele alerta que ainda há muita gente que participou do golpe e não foi responsabilizada, como financiadores e parlamentares que apoiaram as tramas golpistas:
“Nós temos os políticos, falavam que tinham 40 deputados e senadores. (...) Os financiadores, os financiadores pesados não foram chamados à lide. Então, esse pessoal eu não sei o grau de extremismo que ele tem.”
O advogado considera exemplar a postura dos atuais comandantes das Forças Armadas e vê o julgamento em curso como um passo decisivo para “botar uma pá de cal” sobre a possibilidade de novo golpe. Mas ressalva que é preciso concluir os processos, inclusive contra figuras que fugiram para o exterior.
Família Bolsonaro, extradições e futuro político
Na reta final da entrevista, Kakay afirma não acreditar que a família Bolsonaro terá fôlego político para enfrentar o presidente Lula em 2026, especialmente se o ex-presidente for levado à Papuda.
“Eu acho que eles vão ter uma dificuldade de encontrar quem vai candidatar. (...) Eu não acredito muito que você tenha daqui para frente força para ter, porque teria que ser Flávio Bolsonaro. Flávio Bolsonaro dificilmente deixará de ser candidato para ter um mandato e conseguir se manter de certa forma com força para tentar enfrentar o Lula. Eu acho que não terá. Nós poderemos estar livres desse grupo que tanto mal fez ao Brasil”, diz.
Sobre aliados que fugiram para os Estados Unidos, como o deputado que deixou o país durante o julgamento e o blogueiro Allan dos Santos, Kakay prevê que a extradição é apenas questão de tempo:
“Eduardo Bolsonaro vai ser preso em muito pouco tempo. Allan dos Santos vai ser preso em muito pouco tempo. Isso é uma questão de tempo”, afirma, defendendo que pedidos de extradição sejam levados adiante sem contemplações.



