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“Sem TV pública não há comunicação livre”, diz Tereza Cruvinel

Ex-presidente da EBC lança livro sobre os bastidores da TV Brasil e defende o fortalecimento do sistema público de comunicação no Brasil

“Sem TV pública não há comunicação livre”, diz Tereza Cruvinel (Foto: Brasil247)

247 - No programa 20 Minutos, exibido no canal Opera Mundi, a jornalista Tereza Cruvinel relembrou os bastidores da criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e da TV Brasil, em 2007, durante o segundo governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Cruvinel, primeira presidente da estatal, lançou recentemente o livro Memória de um desafio: a guerra da TV pública e a criação do sistema EBC, no qual reconstitui os embates políticos, econômicos e midiáticos que marcaram a fundação da emissora.

A entrevista conduzida por Breno Altman destacou como o projeto, idealizado para ser autônomo em relação ao governo e independente do mercado, enfrentou resistência de partidos de oposição e dos grandes conglomerados privados de mídia. Segundo Cruvinel, seu objetivo ao publicar a obra é registrar a história da radiodifusão pública no país e oferecer subsídios para gestores e pesquisadores.

A batalha política pela criação da TV pública

Cruvinel relembrou que a primeira grande vitória da EBC foi a aprovação no Congresso Nacional da medida provisória que criou a empresa, em meio a forte resistência da oposição. “Eles diziam que iriam enterrar a TV pública, que era inconstitucional. Vencemos porque havia um grande momento político, com Lula reeleito e popularidade em alta”, afirmou.

Além da disputa parlamentar, a jornalista destacou o que chama de “bullying midiático” contra a proposta. Grandes grupos privados de comunicação reagiram duramente à criação de um sistema público, acusando o governo de tentar controlar a informação. Para Cruvinel, essa resistência se explica pelo atraso histórico do Brasil na implantação de uma televisão pública, ao contrário de países europeus, onde emissoras como BBC (Reino Unido) e RAI (Itália) foram pioneiras.

Orçamento e dificuldades estruturais

Outro ponto central abordado foi a dificuldade de financiamento. A EBC chegou a contar com a Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública (CFRP), criada pelo Congresso a partir de recursos do setor de telecomunicações. No entanto, segundo Cruvinel, boa parte desses valores foi retida pelo Tesouro. “Eu esperava que quando o dinheiro fosse liberado seria para montar a rede nacional da TV Brasil. Mas nunca chegou”, lamentou.

A jornalista lembrou ainda que a falta de uma rede nacional de transmissão continua sendo um dos principais entraves da TV pública. “Podemos fazer uma programação de qualidade, mas se não chega à população, não cumpre sua função”, disse, citando alerta feito por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, durante os primeiros anos da EBC.

Intervenções políticas e desmontes

Cruvinel relatou também os efeitos das intervenções posteriores, especialmente durante os governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro. No caso de Temer, criticou a alteração da lei que garantia mandatos à diretoria e a extinção do Conselho Curador. Já no governo Bolsonaro, denunciou a fusão da TV Brasil com o canal governamental NBR, além de episódios de censura e aparelhamento. “Ele transformou a emissora em instrumento político, militarizou a gestão e desmontou o caráter público do sistema”, afirmou.

A decisão pessoal e o legado

Questionada sobre sua saída da mídia privada para assumir a presidência da EBC, Cruvinel contou que foi a escolha mais difícil de sua vida profissional. Após 23 anos no jornal O Globo e uma década como comentarista da GloboNews, ela trocou uma carreira consolidada por um projeto considerado arriscado. “Muitos disseram que eu era louca. Mas eu não me arrependo, porque era um passo necessário para enfrentar o oligopólio da comunicação no Brasil”, declarou.Para ela, o legado da EBC permanece vivo, especialmente pelo acervo e pelas produções jornalísticas e culturais criadas nos primeiros anos. Entre os momentos mais marcantes, destacou a estreia do Repórter Brasil e a inauguração do canal internacional da TV Brasil, transmitido para 40 países.

O futuro da TV pública

Cruvinel defende que o sistema EBC ocupe papel central em uma estratégia nacional de democratização da comunicação, sobretudo diante dos desafios das fake news e da concentração midiática. “Precisamos de cidadãos críticos, vacinados contra a manipulação. Essa é a missão de uma TV pública”, afirmou.

Ela também aposta nas oportunidades trazidas pela tecnologia da TV 3.0, recentemente lançada no Brasil, que integra televisão aberta e internet. Para a jornalista, esse é um momento crucial para que o governo volte a investir na rede pública e garanta estabilidade institucional e legal à EBC.

O livro Memória de um desafio já está disponível em plataformas digitais e terá lançamentos presenciais em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Assista: