Paulo Nogueira Batista Jr.: “O Ocidente está destruindo o sistema econômico global”
Ex-diretor do FMI diz que EUA e Europa agem como “piratas” e aceleram a busca do Sul Global por uma arquitetura financeira pós-Ocidente
247 – Em entrevista ao canal do professor Glenn Diesen, o economista Paulo Nogueira Batista Jr., ex-diretor executivo do Fundo Monetário Internacional (FMI) e ex-vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), dos BRICS, afirmou que o chamado “Ocidente político” — liderado pelos Estados Unidos e seguido pela Europa — está corroendo de forma acelerada as bases do sistema econômico internacional construído no pós-guerra.
Logo no início da conversa, Batista Jr. traça um diagnóstico contundente da conjuntura global e do declínio relativo do poder ocidental. Segundo ele, EUA e aliados estão “perdendo terreno de forma constante” em termos políticos, econômicos, financeiros e demográficos, e reagindo a essa perda de hegemonia com métodos cada vez mais agressivos.
“O Ocidente político (…) está perdendo terreno continuamente (…) e essa queda relativa é acompanhada por algo muito preocupante: a tendência dos EUA e aliados de usar o poder remanescente (…) para atacar política e economicamente países considerados rebeldes, hostis ou não cooperativos.”
Confisco de ativos russos e “pirataria” financeira
Um dos pontos centrais abordados na entrevista é a decisão da União Europeia de congelar e confiscar rendimentos de ativos russos, no contexto da guerra na Ucrânia. Para Batista Jr., a operação não tem base legal e mina a credibilidade do euro e do sistema financeiro europeu.
“Nenhuma base legal. Como eu disse, isso faz parte da pirataria geral que europeus e americanos estão praticando.”
Ele descreve três etapas do processo: primeiro, o congelamento das reservas; depois, a apropriação dos juros; e por fim, a possibilidade de confisco total. Para o economista, mesmo o congelamento já seria ilegal e a apropriação dos rendimentos aprofunda o colapso de confiança.
“Isso consolida a visão no Sul Global (…) de que o euro não é confiável, de que o sistema financeiro europeu não pode ser confiado.”
Batista Jr. destaca a contradição histórica: países do Ocidente sempre se apresentaram como guardiões do direito de propriedade e da segurança jurídica, mas hoje violam esses próprios fundamentos quando se trata de adversários estratégicos.
“A estrutura política e jurídica do Ocidente tem como princípio fundamental o respeito aos direitos de propriedade. Agora, o que estão fazendo com Rússia, Venezuela, Irã e outros países é simplesmente desrespeitar esses direitos.”
Trump, Monroe e a América Latina como “quintal”
Ao comentar os riscos geopolíticos atuais, Batista Jr. aponta a retomada da Doutrina Monroe sob o governo do presidente Donald Trump como uma ameaça direta à soberania latino-americana. Segundo ele, a lógica de considerar o hemisfério ocidental como esfera exclusiva de influência dos EUA ressuscita uma visão imperial, agora aplicada com maior agressividade.
“A Doutrina Monroe revivida por Trump é simplesmente um instrumento de poder imperial.”
O economista observa que, no passado, a Doutrina Monroe teve ambiguidades — combinava afirmação de poder dos EUA e oposição ao colonialismo europeu — mas hoje seria usada como justificativa para intervenção e coerção contra governos independentes, especialmente na Venezuela.
“Agora é completamente diferente. (…) Está sendo colocada em prática, notadamente em duas áreas: Groenlândia e, mais importante, Venezuela.”
Batista Jr. também alerta para o avanço de governos alinhados aos EUA na América do Sul e afirma que Brasil e Colômbia seriam, hoje, os principais freios regionais aos planos de Washington, principalmente por causa do peso estratégico brasileiro.
“O que resta na América do Sul que se opõe aos planos imperiais dos EUA é a Colômbia (…) e, mais importante, o Brasil, por causa do seu tamanho.”
Brasil, eleições de 2026 e o risco de submissão
Ao falar do cenário interno brasileiro, Batista Jr. faz uma advertência direta: as eleições presidenciais de 2026 podem definir se o Brasil continuará resistindo a uma estratégia de submissão regional ou se se tornará novamente um aliado subalterno de Washington.
“Em 2026 teremos eleições presidenciais no Brasil. Se Lula não for reeleito e a extrema direita vencer, você terá outro aliado importante submetido aos planos dos EUA.”
Ele associa essa possibilidade ao avanço de uma nova direita continental e à tentativa de reorganizar o continente sob controle político e econômico norte-americano.
Europa em declínio e crise de credibilidade
Outro eixo forte da entrevista é a avaliação da crise europeia. Para Batista Jr., a Europa vive um processo simultâneo de fragmentação institucional, desindustrialização e perda de autonomia, agravado por decisões que minam a confiança internacional.
Ele ironiza a postura de lideranças europeias ao sugerirem que cortes locais jamais reconheceriam ações russas contra confisco de ativos, como se a justiça fosse guiada por alinhamento político.
“Isso é irresponsável, até infantil. (…) Afeta a credibilidade dos tribunais europeus.”
Batista Jr. afirma que, mesmo que a Europa mude de rumo futuramente, a confiança perdida pode ser quase impossível de recuperar.
“Há uma perda de credibilidade, uma perda de confiança muito difícil de recuperar. Confiança é fácil de perder e difícil de reconquistar.”
Mercosul-União Europeia: acordo travado e “chantagem”
Em um trecho relevante para o Brasil, Batista Jr. comenta o impasse envolvendo o acordo Mercosul-União Europeia, que não foi assinado devido à oposição de países europeus, especialmente França, e à entrada da Itália no bloco de resistência. Segundo ele, o episódio revela a fragilidade da União Europeia e sua incapacidade de agir como bloco coeso.
“A União Europeia não está funcionando como bloco (…) É uma associação importante, mas chamar de bloco hoje é forte demais.”
Batista Jr. critica o conteúdo do acordo, dizendo que ele seria ruim para o Brasil ao abrir o mercado nacional a grandes corporações industriais europeias, e aponta uma manobra do governo italiano.
“A minha leitura é que Meloni está chantageando os europeus: ‘eu aceito o acordo se vocês me derem mais dinheiro pela política agrícola comum’.”
BRICS e a construção de uma arquitetura “pós-Ocidente”
Diante do colapso das regras, Batista Jr. defende que os BRICS e a Organização de Cooperação de Xangai (OCX) acelerem a construção de uma arquitetura alternativa.
Ele reforça que essa estratégia não seria “antiocidental”, mas sim “pós-Ocidente”, uma forma de reduzir vulnerabilidades e dependência diante de sanções, confisco de ativos e coerção financeira.
“O BRICS nunca foi visto como antiocidental. É pró-BRICS, pró-Sul Global. (…) A arquitetura que precisamos construir não é antiocidental. É pós-Ocidente.”
O economista afirma que nem China nem Rússia buscaram confronto inicialmente, mas foram empurradas para ele pela escalada ocidental. Para ele, toda a agressividade recente — tarifas, sanções, congelamento de reservas, uso político do dólar — acelerou o processo de desdolarização e pode culminar numa crise sistêmica.
“Se houver outro grande colapso financeiro (…) o dólar não será o refúgio seguro. Isso pode acelerar a fuga do dólar, que já está em curso.”
A possibilidade de uma nova crise global
Questionado sobre a chance de uma nova crise econômica, Batista Jr. diz não poder prever com certeza, mas alerta para sinais de bolha nos mercados norte-americanos e para o histórico recorrente de crises no sistema financeiro dos EUA.
“Há sinais de vulnerabilidade, sinais de bolha. (…) Muitos especialistas veem sinais fortes de uma bolha que pode estourar.”
Se um colapso acontecer, ele acredita que o impacto global será inevitável e exigirá uma resposta rápida do Sul Global, sobretudo da China — que, segundo ele, é indispensável para qualquer alternativa sistêmica.
“Sem a China, um plano B não pode ser colocado de pé, dado o tamanho dela em relação aos demais BRICS.”
“Nunca vi isso na vida”: a nova fase do sistema internacional
Ao longo da entrevista, Batista Jr. repete a percepção de que o mundo entrou em uma fase inédita de instabilidade, marcada pelo uso aberto de coerção, confisco e ameaça como instrumentos de política econômica.
“Eu nunca vi isso na minha vida inteira (…) estamos atravessando uma fase muito delicada.”
Para ele, o que está em curso não é apenas um rearranjo geopolítico, mas um processo de desgaste estrutural que pode levar a uma transição histórica: o fim do sistema comandado pelo Ocidente e a consolidação gradual de uma ordem multipolar — ainda incerta, mas inevitável.
“O que está acontecendo no Ocidente político é uma forte queda na qualidade da liderança (…) um comportamento autodestrutivo (…) e isso acelera o declínio do Ocidente.”



