Criança brasileira tem dois dedos amputados em escola de Portugal, afirma mãe, que denuncia xenofobia
Família denuncia agressões recorrentes e diz que instituição minimizou violência; órgão de proteção e escola abriram investigação
247 - O caso de violência envolvendo o menino brasileiro José Lucas, de nove anos, ganhou grande repercussão em Portugal e no Brasil após sua mãe, Nívia Estevam, denunciar que o filho teve dois dedos amputados por colegas dentro da Escola Básica de Fonte Coberta, em Cinfães, no distrito de Viseu. As informações foram inicialmente publicadas pelo g1.
Segundo o relato da mãe, o menino já vinha sendo alvo de agressões desde o início do ano letivo. O incidente mais grave ocorreu na última segunda-feira (10), quando, de acordo com Nívia, dois colegas seguiram José até o banheiro e teriam fechado a porta com força sobre seus dedos, pressionando-a até amputá-los. O menino tentou pedir socorro, mas, devido à dor intensa, precisou se arrastar até ser encontrado por funcionárias da escola.
Nívia afirma que a primeira funcionária entrou em choque ao ver a cena e que a segunda, visivelmente surpresa, teria dito a José: “Por que eu vim mais cedo para a escola?” As funcionárias providenciaram os primeiros socorros e ligaram para a mãe, mas, segundo ela, a gravidade do caso foi inicialmente minimizada. A professora da turma, Sara Costa, teria informado apenas que o menino estava “brincando” e “amassou o dedo na porta”, sem citar a amputação. Ao fundo da ligação, Nívia ouviu alguém pedindo que chamassem uma ambulância.
Quando chegou à escola — a poucos minutos de casa —, a mãe encontrou o filho nos fundos do prédio, gritando de dor, com a mão enfaixada e mordendo uma atadura para suportar o sofrimento. Ela conta que tentou argumentar com a equipe: “Meu filho não bate em ninguém, é uma pessoa boa. Vou ensinar meu filho a bater?”
O socorro, contudo, demorou. Nívia relata que os bombeiros levaram entre 30 e 40 minutos para chegar. Um dos pedaços amputados foi guardado pela escola e entregue aos paramédicos, que orientaram a mãe a transportar outras partes dos dedos em uma luva até o hospital. Apesar da tentativa, os cirurgiões informaram que não seria possível reimplantar. José passou por um procedimento de três horas e perdeu parte do indicador e do dedo maior. “O dedo maior ficará sem unha e o indicador ficará com apenas a metade”, disse Nívia.
Após a cirurgia, o hospital acionou uma assistente social, que notificou a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens. O órgão abriu investigação e recomendou que a família retirasse o menino da escola. Segundo a assistente, “Se puder mudar de escola e de cidade, faça isso”.
A mãe procurou também a polícia local, mas ouviu que se tratava de um acidente, conforme versão repassada pela escola. Em busca de apoio, tentou atendimento na segurança social, onde foi informada de que o processo poderia levar “cinco a seis meses”.
Somente após um post nas redes sociais, publicado por Nívia durante a madrugada, o caso ganhou ampla visibilidade no país. Desde então, a família relata medo e insegurança; decidiu deixar o distrito e está vivendo temporariamente com parentes. Nívia, que se mudou para Portugal há sete anos, afirma: “Vim para Portugal buscar uma vida melhor. […] Mas agora preciso mudar tudo de novo. Estou com medo.”
Ela diz acreditar que as violências sofridas pelo filho foram motivadas por discriminação. Segundo o relato, José teria sido alvo de ataques por ser brasileiro, preto, gordo e recém-chegado à escola — este era seu primeiro ano na instituição.
A Direção do Agrupamento de Escolas de Souselo, que administra a unidade, afirmou em nota que está ciente do episódio e abriu investigação interna, “dando cumprimento à legislação em vigor”.
A mãe também descreveu que, antes da amputação, o menino já havia sido agredido diversas vezes. Cita um episódio em que José voltou para casa com marcas roxas no pescoço. “Eles prenderam meu filho contra a parede e estouraram as veias, deixando marcas roxas”, disse. Ela comunicou a professora, mas, segundo Nívia, nenhuma medida efetiva foi tomada.
Agora fora da escola e em recuperação, José sofre crises de choro ao lembrar o ataque. “Durante o dia, ele fica bem, mas à noite pergunta por que fizeram isso e quem vai pagar. Eu tento acolher, mas ainda estou digerindo tudo”, afirma a mãe.
O g1 procurou o Itamaraty, a professora Sara Costa e a polícia local, mas não obteve retorno até a publicação da reportagem. Enquanto isso, a família aguarda avanços nas investigações e apoio das autoridades portuguesas e brasileiras para garantir segurança e acompanhamento adequado ao menino.
