Indonésia aposta em modelo econômico que une “melhor do socialismo e do capitalismo”
Após entrar no Brics, maior potência do Sudeste Asiático busca transformar infraestrutura e cooperação comunitária em desenvolvimento sustentável
247 - Entre os legados de uma década de intensos investimentos em infraestrutura e a ambição de agregar valor à produção nacional, a Indonésia vem testando um modelo econômico híbrido que mistura a força do Estado com a dinâmica do mercado. Após ingressar no Brics e consolidar-se como a maior potência do Sudeste Asiático, o país tenta transformar seu peso demográfico e sua importância geopolítica em capacidade industrial.
De acordo com reportagem publicada pelo Brasil de Fato, a década de 2014 a 2024, sob a presidência de Joko Widodo — conhecido como Jokowi —, marcou um salto em infraestrutura e logística, mas deixou o desafio de converter as grandes obras em produtividade, inovação e empregos de qualidade. Esse processo, conhecido como downstreaming — a política de agregar valor à produção nacional por meio da industrialização e da restrição à exportação de minérios brutos — tornou-se um ponto central na transição econômica do país.
O novo papel da Indonésia no Brics
Em entrevista ao Brasil de Fato, Ah Maftuchan, membro do Conselho Popular do Brics e diretor do instituto de políticas públicas Prakarsa, analisou o papel da Indonésia no bloco e as transformações internas do país. Segundo ele, “a Indonésia sempre buscou uma posição independente, inspirada no espírito do Movimento dos Países Não Alinhados”.
Para Maftuchan, essa neutralidade histórica confere credibilidade à diplomacia indonésia, que se coloca como mediadora entre grandes potências e nações em desenvolvimento. “O espírito de igualdade e cooperação sempre esteve no centro da política externa do país”, afirmou.
O especialista lembrou que, na Assembleia Geral da ONU em setembro deste ano, o presidente Prabowo Subianto reafirmou o compromisso do país com a paz e anunciou o envio de 20 mil profissionais para ações humanitárias em Gaza. “A Indonésia busca atuar além da definição de Sul Global, trabalhando por uma ordem mundial mais equilibrada”, destacou Maftuchan.
Legado de Jokowi e os desafios estruturais
Ao avaliar os dez anos de governo de Jokowi, Ah Maftuchan reconheceu avanços expressivos na infraestrutura, mas apontou desafios na sustentabilidade fiscal e na industrialização. “Os projetos criaram novas oportunidades, mas também impactaram as finanças públicas e reduziram recursos em áreas como saúde e educação”, observou.
O salto logístico permitiu a integração nacional, mas, segundo ele, a economia ainda depende fortemente de setores tradicionais e da importação de insumos. “O país precisa investir em inovação e tecnologia para converter infraestrutura em prosperidade sustentável”, ressaltou.
Soberania sobre os recursos naturais
Em 2019, a Indonésia proibiu a exportação de minério de níquel bruto — antes destinado majoritariamente à China —, com o objetivo de processar internamente seus recursos naturais. A medida, que gerou disputas na OMC, foi vista por Maftuchan como um ato de soberania econômica. “A curto prazo houve perda de receita, mas, a longo prazo, o objetivo é fortalecer a economia nacional e criar empregos qualificados”, explicou.
A decisão também atraiu investimentos diretos, especialmente chineses, na construção de plantas industriais e fundições no território indonésio. No entanto, Maftuchan reconheceu que os resultados sociais ainda são limitados. “O downstreaming só trará benefícios duradouros se for acompanhado de políticas para desenvolver capacidades tecnológicas e de mercado”, afirmou.
O sistema econômico misto de Prabowo
O atual presidente, Prabowo Subianto, completou seu primeiro ano de governo propondo um “sistema econômico misto”, que combina princípios do socialismo e do capitalismo. A ideia, segundo Maftuchan, “não é apenas retórica, mas reflete a história do país e a trajetória do próprio presidente”.
Ele destacou que a Indonésia, desde seus fundadores Soekarno e Muhammad Hatta, combina respeito à propriedade privada com uma economia baseada na cooperação e no conceito tradicional de gotong royong — a ajuda mútua entre comunidades. “O presidente disse: ‘Vou adotar o melhor caminho do socialismo e o melhor do capitalismo’. Foi um gesto ousado, ainda mais ao afirmar isso à revista Forbes, a ‘bíblia do capitalismo’”, lembrou Maftuchan.
Programas sociais e empoderamento popular
A visão de “bem-estar social soberano” proposta por Prabowo reflete-se em políticas de redistribuição de renda, alimentação escolar e fortalecimento do cooperativismo. O governo implementou um programa de refeições gratuitas para estudantes, gestantes e lactantes, com foco na nutrição e na redução do nanismo infantil. “A política é boa, mas precisa ser descentralizada para garantir qualidade e segurança alimentar”, alertou Maftuchan, lembrando casos de intoxicação em escolas.
Outro destaque é a criação de escolas em regime de internato para crianças de baixa renda, que oferecem ensino, moradia e alimentação. Já são 50 unidades em funcionamento, com meta de alcançar 500. “A ideia é romper o ciclo da pobreza, oferecendo cinco dias por semana de aprendizado e proteção”, explicou.
Para coordenar as ações sociais, o governo criou o Ministério Coordenador para o Empoderamento Popular, responsável por integrar políticas de economia, segurança alimentar, infraestrutura e cultura. “Durante décadas, o termo ‘empoderamento popular’ era apenas retórico. Agora, virou política de Estado”, concluiu Ah Maftuchan.



