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Como manobras financeiras de um ex-diretor financeiro, do Deutsche Bank e da XP levaram à Ambipar à recuperação judicial

Decisões de banqueiros precipitaram o colapso da companhia ambiental, que perdeu R$ 22 bilhões em valor de mercado

Ambipar (Foto: Divulgação)

247 – A Ambipar, empresa símbolo da economia verde brasileira, tornou-se o mais recente exemplo de como a manipulação financeira e os conflitos de interesse podem devastar até as corporações mais sólidas. Num período curto de tempo, uma sequência de decisões estratégicas tomadas por executivos ligados a grandes bancos internacionais e pela XP Investimentos levou a companhia ao colapso – com perdas bilionárias e a entrada em recuperação judicial nesta semana.

O processo começou discretamente, em agosto de 2024, quando João Arruda, recém-saído do Bank of America, assumiu o comando financeiro da Ambipar. Um mês depois, outro ex-executivo do mesmo banco, Henrique Ramin, ingressou no Deutsche Bank. A partir daí, as duas trajetórias voltariam a se cruzar de forma determinante para o destino da empresa.

Juntos, eles estruturaram uma dívida de US$ 493 milhões em fevereiro de 2025, transferindo o hedge cambial do Bank of America para o Deutsche Bank — supostamente para reduzir custos. A mudança, no entanto, abriu caminho para operações de risco extremo que acabariam comprometendo a saúde financeira da companhia.

O Pik Bond e a engrenagem de destruição

Pouco depois, Arruda e Ramin avançaram na criação de um instrumento conhecido como Pik Bond, um derivativo altamente especulativo que multiplica as exigências de garantias conforme o ativo se desvaloriza. Proibido ou fortemente limitado em diversas jurisdições desde a crise do subprime de 2008, o modelo é descrito por especialistas como “uma bomba-relógio financeira”.

Em março de 2025, a operação ganhou nova dimensão quando o Deutsche Bank passou a usar a margem positiva do hedge da Ambipar para cobrir as chamadas de margem do Pik Bond. O resultado foi devastador: uma operação que inicialmente gerava lucro transformou-se em um poço de perdas crescentes, alimentadas por exigências automáticas de depósito de garantias.

A XP e o COE de risco vendido a investidores comuns

No mesmo mês, a XP Investimentos lançou um Certificado de Operação Estruturada (COE) ligado diretamente aos títulos da Ambipar. O produto, de natureza especulativa e risco elevado, foi vendido a investidores de varejo como uma aplicação segura de renda fixa, prometendo IPCA + 11,75% ao ano.

Na prática, o COE transferia para o pequeno investidor o risco de inadimplência da empresa. Quando os títulos começaram a perder valor, os recursos aplicados foram drenados para cobrir perdas de credores institucionais – uma distorção que fere os princípios básicos de transparência e proteção ao investidor.

Para o mercado, o episódio foi um alerta sobre a atuação de corretoras que, ao priorizar a venda de produtos complexos, negligenciam os riscos embutidos e a capacidade de compreensão de seus clientes.

A tempestade perfeita

A combinação do Pik Bond e do COE criou um ambiente de instabilidade que rapidamente se refletiu no mercado. Os títulos da Ambipar entraram em queda livre a partir de março de 2025. Nos meses seguintes, a empresa passou a ser pressionada por bancos credores. O Santander antecipou o vencimento de uma dívida de US$ 112 milhões, enquanto o Itaú ameaçou cobrar imediatamente outros US$ 90 milhões.

Em setembro, com o cenário se agravando, João Arruda renunciou ao cargo de CFO e, horas depois, anunciou reuniões com credores internacionais, o que ampliou o pânico entre investidores. Poucos dias mais tarde, a Ambipar pediu proteção judicial para tentar evitar a falência e preservar seus 23 mil empregos diretos.

O saldo bilionário e o impacto sistêmico

Do total de US$ 493 milhões captados pela emissão inicial, US$ 313 milhões foram consumidos em taxas bancárias, honorários e operações intermediárias. Restaram apenas US$ 180 milhões líquidos à empresa – que, no entanto, ficou responsável por toda a dívida.

O resultado foi a perda de R$ 22 bilhões em valor de mercado e o colapso de uma companhia que era líder global em sustentabilidade.

O caso Ambipar ultrapassa o âmbito empresarial. Ele revela como o mercado financeiro internacional continua operando com mecanismos capazes de desestabilizar companhias estratégicas, explorando brechas regulatórias e vendendo produtos de risco com aparência de segurança.

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