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Dívida verde bate recorde global apesar de recuos ambientais

Emissões de títulos sustentáveis chegam a US$ 947 bilhões, impulsionadas por IA, energia e redes elétricas mesmo com retrocessos regulatórios no ocidente

Floresta Amazônica no Pará (Foto: Pedro Guerreiro/Agência Pará)

247 - A emissão global de títulos e empréstimos verdes atingiu um patamar histórico em sexta-feira (26), alcançando US$ 947 bilhões no acumulado do ano, em um movimento que contraria o enfraquecimento recente de políticas ambientais em grandes economias. O avanço é sustentado principalmente pelo aumento da demanda por infraestrutura energética ligada à inteligência artificial, à eletrificação e à modernização das redes elétricas.

O desempenho ocorre mesmo em um contexto político adverso. Nos Estados Unidos, o atual presidente dos EUA, Donald Trump, tem reforçado o apoio aos combustíveis fósseis e desmontado subsídios e marcos regulatórios voltados à energia limpa. Na Europa, governos também flexibilizaram regras ambientais diante de preocupações com crescimento econômico e competitividade industrial.

Ainda assim, investidores seguem direcionando recursos para ativos sustentáveis, impulsionados por sinais mais claros de demanda estrutural. A expectativa de crescimento de quase 4% no consumo global de eletricidade, associada à expansão de data centers, sistemas de refrigeração e eletrificação de setores produtivos, tem reforçado o otimismo do mercado.

“Os investimentos verdes estão sendo cada vez mais vistos como investimentos essenciais em infraestrutura e indústria, e não apenas como operações de nicho em ESG”, afirmou Melissa Cheok, diretora associada de pesquisa de investimentos ESG da Sustainable Fitch. Segundo ela, “o capital provavelmente está fluindo para áreas com visibilidade clara de receita, apoio político e demanda estrutural, como modernização da rede elétrica e energias renováveis atreladas à eletrificação”.

A região da Ásia-Pacífico liderou a captação, com empresas e emissores ligados a governos levantando US$ 261 bilhões em dívida verde, alta de cerca de 20% em relação ao ano anterior. China e Índia foram os principais motores desse crescimento, apoiando a expansão de projetos de energia renovável. A China, em particular, registrou um recorde de US$ 138 bilhões em emissões de títulos verdes, lideradas por seus maiores bancos, além de lançar uma oferta soberana em Londres no início do ano.

Na região, o chamado greenium — custo de financiamento menor associado aos títulos verdes — é mais pronunciado. Em novembro, alguns emissores conseguiram descontos superiores a 14 pontos-base ao utilizar o selo verde, segundo a BloombergNEF. Esses instrumentos seguem sendo usados para financiar a transição energética e projetos de transporte de baixa emissão de carbono.

Entre os maiores emissores globais de títulos verdes em 2025 estão o BNP Paribas SA e o Credit Agricole SA. Dados da Bloomberg mostram que o estoque desses papéis cresceu a uma taxa média anual de 30% nos últimos cinco anos, passando a representar cerca de 4,3% do total global, conforme levantamento recente de pesquisadores do LSE Group.

A perspectiva para o próximo ano também é positiva. A flexibilização das taxas de juros nos Estados Unidos e as necessidades de refinanciamento podem elevar as vendas globais de títulos verdes para até US$ 1,6 trilhão. “As condições financeiras e a demanda por capital devem sustentar um novo ciclo de emissões”, avaliou Crystal Geng, líder de pesquisa ESG para a Ásia na BNP Paribas Asset Management.

No mercado acionário, empresas de energia verde lideraram os ganhos em 2025. Índices de energia limpa da S&P Dow Jones Indices e da WilderShares subiram 45% e 60%, respectivamente, superando com folga o S&P 500, embora ainda abaixo dos picos registrados em 2021. Companhias americanas de energia solar e armazenamento em baterias, como a SolarEdge Technologies Inc., figuraram entre os destaques, enquanto fabricantes de turbinas eólicas puxaram os ganhos na China e na Alemanha.

A Índia também se consolidou como um polo relevante para ofertas públicas iniciais no setor de renováveis, com 11 IPOs que levantaram mais de US$ 1 bilhão neste ano. Outras seis empresas buscam captar mais de US$ 3 bilhões. Em 2024, 14 companhias do segmento haviam levantado US$ 2,4 bilhões em aberturas de capital.

Nem todos os mercados, porém, acompanharam esse ritmo. Nos Estados Unidos, a emissão de dívida verde caiu 7%, para US$ 163 bilhões, enquanto as vendas de títulos supranacionais recuaram em magnitude semelhante. Na Alemanha, a captação permaneceu praticamente estável, em torno de US$ 79 bilhões.

Na Índia, apesar do volume recorde de US$ 7 bilhões em empréstimos verdes, a forte concorrência entre bancos estrangeiros pressionou as margens de financiamento. “O aumento da disputa reduziu as margens em 5% a 10% em projetos de energia renovável e outros setores”, afirmou Jeanne Soh, chefe de finanças estruturadas para a Ásia do Sumitomo Mitsui Banking Corp.

Em contraste, as vendas de títulos vinculados à sustentabilidade recuaram cerca de 50% no ano, para US$ 165 bilhões, em meio a preocupações com greenwashing. As emissões de títulos de transição, voltados a setores de difícil descarbonização, também caíram mais da metade, somando US$ 10,9 bilhões.

Segundo Xuan Sheng Ou Yong, gestor de carteiras para investimentos sustentáveis da Robeco, em Singapura, esse cenário tende a mudar. Ele avalia que, nos próximos dois anos, alterações nas regras de fundos europeus devem ampliar a definição do que é considerado investimento sustentável, abrindo espaço para projetos que reduzam emissões em setores mais poluentes.

No consolidado, o volume global de dívida sustentável alcançou cerca de US$ 1,6 trilhão em 2025, queda superior a 8% em relação a 2024. Em outro segmento, mais de US$ 500 bilhões em títulos sociais foram vendidos nos Estados Unidos, majoritariamente vinculados à Government National Mortgage Association (Ginnie Mae), que garante o principal e os juros de papéis lastreados em hipotecas.

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