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Dom Odilo Scherer quer "preservar" o padre Júlio Lancellotti, diz Toninho Kalunga

Ex-vereador diz que decisão de dom Odilo Scherer de afastar o padre das redes sociais visa protegê-lo de “riscos reais”

Júlio Lancellotti (Foto: Jose Cruz/Agência Brasil)

247 - A decisão do cardeal arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, de restringir a atuação do padre Júlio Lancellotti nas redes sociais e a transmissão de missas ao vivo provocou forte repercussão entre militantes, agentes de pastoral e defensores da atuação do religioso junto à população em situação de rua. Para o ex-vereador de Cotia (SP) Toninho Kalunga (PT-SP), no entanto, a medida não configura perseguição política nem censura, mas um gesto de cuidado diante de riscos concretos à integridade do padre, relata Mônica Bergamo, da Folha de São Paulo. A interpretação foi apresentada em carta aberta enviada por Kalunga a “companheiros e companheiras de lutas e utopias”.

Kalunga tem uma relação pessoal e antiga com o padre Júlio. Entre os 14 e os 17 anos, viveu nas ruas do centro de São Paulo e foi socorrido por Lancellotti após sofrer agressões policiais e se esconder em um buraco no Vale do Anhangabaú. O padre o encaminhou a um hospital e, meses depois, ajudou-o a conseguir emprego em um banco, trajetória que o levou ao sindicalismo, à militância política e, posteriormente, ao mandato de vereador em Cotia, em 2005. Até hoje, Kalunga é membro da Paróquia São Miguel Arcanjo, na Mooca, liderada pelo religioso.

Na carta, ele afirma que a decisão de dom Odilo deve ser compreendida como uma ação preventiva. Segundo o ex-vereador, o padre Júlio, hoje com 77 anos, estaria exposto a “riscos reais”, tanto de agentes internos da própria paróquia quanto de grupos externos que se aproveitariam de sua imagem. Parte dessas preocupações levou, inclusive, à abertura de uma auditoria financeira na Paróquia São Miguel Arcanjo, determinada pela Arquidiocese de São Paulo após a chegada de informações sobre possíveis desvios na atuação de alguns de seus integrantes.

“Dom Odilo age como o pastor que conhece o uivar dos lobos que rondam o rebanho, inclusive alguns que estão dentro da própria comunidade e que são, neste último período, a base de conflito que sustenta essa situação!”, escreveu Kalunga no documento.

Ele reforça que a leitura política do episódio é equivocada e sustenta que a exposição intensa nas redes sociais tornou o padre alvo fácil de campanhas organizadas de ódio. “O recente pedido de Dom Odilo Scherer para que Padre Júlio Lancellotti reduzisse sua exposição nas redes sociais não deve ser lido como debate político, censura ou recuo. A chave correta de leitura é o cuidado com uma pessoa”, afirmou.

Na avaliação do ex-vereador, o padre Júlio sempre enfrentou perseguições, calúnias e difamações por sua atuação pastoral junto aos mais pobres, mas, recentemente, passou a ser alvo de uma ofensiva ainda mais estruturada. “Mais recentemente e pelas mesmas razões, tornou-se alvo de uma campanha de ódio organizada – esta sim politicamente – que visa criminalizar a ação da Igreja pela evangélica opção preferencial pelos pobres”, escreveu.

Kalunga descreve as redes sociais como um ambiente de “linchamento simbólico”, marcado por ameaças e incitações à violência. Para ele, esses ataques não buscam a verdade nem o bem comum, mas servem a projetos de poder de grupos extremistas, inclusive dentro do campo religioso. “As redes sociais são, hoje, um território de linchamento simbólico, onde ameaças e incitações à violência se multiplicam e que não se sabe onde podem parar”, afirmou.

Ao longo da carta, o ex-vereador insiste que a medida adotada pelo arcebispo não interrompe a missão pastoral de Lancellotti. “Dom Odilo não pediu a interrupção da missão de Padre Júlio, não questionou sua fidelidade ao Evangelho e nem o desautorizou pastoralmente”, destacou. Segundo ele, o padre segue celebrando missas, mantendo suas atividades nas ruas e junto à população pobre; o que muda é apenas a forma de exposição dessas ações em ambientes digitais considerados hostis.

“Em meu ponto de vista, seu gesto é um ato de discernimento pastoral para preservar a vida e a integridade de um presbítero que é um símbolo vivo de uma Igreja samaritana, e que em razão de sua atividade, é alvo fácil de aproveitadores”, escreveu Kalunga, ressaltando que fala a partir de quem conhece de perto a realidade da paróquia e do trabalho desenvolvido pelo religioso.

Membro da Fraternidade Leiga Charles de Foucauld, da Paróquia São Miguel Arcanjo e do Núcleo Nacional da Teologia da Libertação Política e Religião, Kalunga conclui defendendo que, em determinados momentos, a proteção silenciosa pode ser mais coerente com o Evangelho do que o confronto permanente, sobretudo quando a exposição pública passa a alimentar ciclos de violência e exploração.

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