MPSP pede bodycam de PMs que entraram em escola com metralhadoras por conta de orixá
A Promotoria também pediu que a SSP identifique os agentes envolvidos, disponibilize o registro do chamado que motivou a ação
247 - O Ministério Público de São Paulo (MPSP) solicitou à Secretaria de Segurança Pública (SSP) o envio das gravações das câmeras corporais dos policiais militares que entraram armados em uma escola infantil da zona oeste da capital após uma atividade sobre orixás. A iniciativa ocorre em resposta à denúncia revelada pelo Metrópoles, que relatou que o acionamento da PM foi feito pelo pai de uma aluna de 4 anos, incomodado com um desenho da orixá Iansã produzido pela criança.
A Promotoria também pediu que a SSP identifique os agentes envolvidos, disponibilize o registro do chamado que motivou a ação e informe se algum procedimento interno foi instaurado. O pedido foi encaminhado após solicitação da deputada federal Luciene Cavalcante e dos parlamentares Carlos Giannazi e Celso Giannazi, todos do PSOL, que citaram a reportagem original no documento entregue ao órgão.
Paralelamente, o MPSP quer que a Secretaria Municipal de Educação (Seduc) esclareça quais medidas de apoio foram prestadas aos profissionais da EMEI Antônio Bento — local do episódio — e forneça as imagens das câmeras de segurança da unidade. A promotoria também requisitou a identificação do pai que acionou a polícia.
Ação policial após desenho infantil
De acordo com relatos colhidos pelo Metrópoles, quatro policiais militares armados, um deles portando uma metralhadora, entraram na escola no fim da tarde após o pai ter se irritado com a atividade inspirada no livro infantil Ciranda em Aruanda. No dia anterior, o homem já havia demonstrado descontentamento com o conteúdo pedagógico — alinhado à legislação que obriga o ensino de história e cultura afro-brasileira — e, segundo testemunhas, chegou a rasgar um mural com desenhos das crianças.
A direção propôs que ele participasse de uma reunião do Conselho da Escola no dia seguinte, às 15h. O pai não compareceu, mas chamou a PM horas depois, alegando que a atividade configurava “ensino religioso” e que a filha teria sido exposta a conteúdos contrários à religião da família.
Testemunhas classificaram a abordagem como hostil. Uma mãe que preferiu não se identificar afirmou que os agentes demonstraram “abuso de poder, assustando crianças e funcionários”, e relatou que a diretora chegou a passar mal. Os policiais permaneceram na unidade por mais de uma hora e só deixaram o local após a intervenção de um grupo de pais. A ação foi registrada pela bodycam de um dos agentes e pelo circuito interno da escola.
Atividade é prevista em lei e integra currículo municipal
A atividade pedagógica utilizava o livro Ciranda em Aruanda, de Liu Olivina, obra presente no acervo oficial da rede municipal e reconhecida pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). O livro apresenta dez orixás por meio de ilustrações e textos curtos. A direção da EMEI reforçou que a iniciativa segue as leis federais nº 10.639/03 e nº 11.645/08, que determinam o ensino obrigatório da história afro-brasileira e indígena nas escolas.
Segundo a gestão, as crianças ouviram a história e, em seguida, fizeram desenhos, sem qualquer caráter doutrinário.
Autora diz que episódio é reflexo de preconceito
Em entrevista ao Metrópoles, a escritora Liu Olivina reagiu com indignação à ação policial. “Fiquei muito triste. Pensei nas artes que foram destruídas pelo pai e nos educadores da escola. Mas o que mais me pegou foi a criança que ele reprimiu, porque isso gera traumas. Ela fez uma arte e isso fez o pai dela chamar a polícia. É muito absurdo”, afirmou.
Ela também enviou um recado à criança autora do desenho: “Vi o desenho da criança e gostaria de falar para ela que está muito lindo, ela usou cores muito bonitas e Iansã deve estar muito feliz pelo desenho. Também gostaria de dizer que ela não precisa ter medo dos orixás”.
A Editora Quatro Cantos, responsável pela publicação da obra, manifestou apoio à escola e declarou que seguirá comprometida com a valorização de autores e ilustradores negros e com o enfrentamento ao racismo religioso.
Posicionamento da SSP e da Prefeitura
Em nota, a SSP afirmou que os policiais conversaram com o pai e com a diretora ao atender a ocorrência e que a Polícia Militar instaurou procedimento para apurar a conduta da equipe. A pasta informou ainda que o pai — policial militar da ativa — registrou boletim negando ter danificado o mural da escola, enquanto a servidora da unidade registrou ocorrência por ameaça.
A secretaria justificou o armamento utilizado, incluindo a metralhadora, afirmando que ele faz parte do Equipamento de Proteção Individual (EPI) usual da corporação.
A Prefeitura de São Paulo declarou que o pai foi informado de que o desenho da filha fazia parte de um projeto coletivo e reiterou que as atividades seguem o Currículo da Cidade, que incorpora o ensino obrigatório da história e cultura afro-brasileira e indígena.

