Nathalia Urban por Milenna Saraiva

Esta seção é dedicada à memória da jornalista Nathalia Urban, internacionalista e pioneira do Sul Global

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G20 na África do Sul aprova declaração climática apesar de boicote dos EUA

Documento avança em temas sensíveis como clima e dívida de países pobres, mesmo sob pressão do governo Trump

Líderes do G20 se reúnem na África do Sul (Foto: Reuters)

247 – O encontro de líderes do G20 realizado em Joanesburgo aprovou, neste sábado (22), uma declaração que aborda a crise climática e outros desafios globais, apesar do boicote dos Estados Unidos. As informações são da agência Reuters, que acompanhou as negociações e o clima de tensão entre a África do Sul, país anfitrião, e o governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

Logo após a aprovação, a Casa Branca acusou Pretória de “armar” sua presidência do G20. Segundo a agência, o texto foi redigido sem a participação dos EUA, que rejeitaram qualquer menção às mudanças climáticas.

Ramaphosa constrói consenso sem Washington

O presidente sul-africano Cyril Ramaphosa manteve a posição de que o documento não poderia ser renegociado.
Segundo seu porta-voz, Vincent Magwenya, “tivemos o ano inteiro trabalhando para esta adoção e a última semana tem sido bastante intensa”.

A ausência dos EUA foi interpretada por Pretória como um gesto político. A Casa Branca afirmou que Ramaphosa estaria “recusando-se a facilitar uma transição suave da presidência do G20”, após declarar que entregaria o martelo da presidência “a uma cadeira vazia”.

A porta-voz da Casa Branca, Anna Kelly, declarou ainda que “eles armaram sua presidência do G20 para minar os princípios fundadores do grupo”.
Trump, segundo Kelly, pretende “restaurar a legitimidade” do G20 quando assumir a presidência rotativa em 2026.

Argentina se afasta no último minuto

O presidente argentino Javier Milei, aliado próximo de Trump, também se afastou das negociações finais. Seu ministro das Relações Exteriores, Pablo Quirno, disse que Buenos Aires não endossaria o documento, mas manteria “o espírito de cooperação” do grupo.

Quirno justificou que algumas referências a conflitos geopolíticos, especialmente ao Oriente Médio, eram insuficientes.
Especificamente, aborda o conflito de longa data no Oriente Médio de uma forma que não captura sua complexidade”, afirmou.

Mesmo assim, Ramaphosa decidiu avançar com a adoção, alegando “consenso suficiente”.

Documento inclui temas rejeitados pelos EUA

Diplomatas do G20 elaboraram o rascunho sem qualquer participação norte-americana.
Um alto funcionário do governo Trump criticou a iniciativa: “É vergonhoso que o governo sul-africano tente se desviar da prática tradicional de consenso”.

O texto inclui:

  •  referências diretas à gravidade das mudanças climáticas;
  •  necessidade de adaptação a eventos extremos;
  •  metas ambiciosas para energias renováveis;
  •  críticas ao peso da dívida em países pobres.

Menções ao clima são vistas como afronta direta a Trump, que nega o consenso científico sobre o aquecimento global.

Clima tenso após acusações de Trump sobre a África do Sul

As divergências entre Trump e Ramaphosa já vinham se acumulando. Durante visita de Ramaphosa à Casa Branca, em maio, Trump repetiu a falsa alegação de que haveria um “genocídio” de fazendeiros brancos na África do Sul — informação desmentida por organismos internacionais. Ramaphosa tentou corrigi-lo, mas foi ignorado.

Os EUA justificaram o boicote ao G20 afirmando que o governo da maioria negra sul-africana “persegue” a minoria branca — alegações amplamente desacreditadas.

Tensões globais ampliam rupturas dentro do G20

As discussões ocorreram em meio à guerra da Rússia na Ucrânia e às negociações climáticas da COP30 no Brasil.
O Japão destacou a importância de consenso. “A diversidade do G20 às vezes apresenta desafios, mas também reforça a necessidade de encontrar terreno comum”, afirmou Maki Kobayashi, secretária de Assuntos Públicos do gabinete japonês.

A União Europeia também advertiu sobre riscos geopolíticos.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, alertou contra a “instrumentalização de dependências”, em referência às restrições chinesas sobre minerais estratégicos.

O primeiro-ministro chinês, Li Qiang, pediu unidade: “O G20 deve enfrentar esses problemas, explorar soluções e promover o retorno ao caminho da cooperação”, afirmou em comunicado oficial.

África do Sul rejeita proposta dos EUA para entrega da presidência

Pretória também recusou a proposta dos EUA de enviar apenas um encarregado de negócios para a cerimônia de transferência da presidência do G20.
Segundo Magwenya, “o presidente não entregará a presidência do G20 a um funcionário de embaixada júnior”.

O chanceler sul-africano, Ronald Lamola, reforçou: “O G20 não é sobre os EUA. Somos todos membros iguais”.

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