A justiça é implacável com aqueles que antes se julgavam vencedores
Muitos brasileiros duvidavam que ele um dia fosse realmente preso
Nós, brasileiros, sentimos um alívio quase físico com a prisão de Bolsonaro. Depois de anos convivendo com um político medíocre, que destilou ódio sobre praticamente todas as esferas da sociedade brasileira, violando sem pudor o espírito do Código Penal, é impossível não respirar um pouco melhor.
Meu primeiro contato direto com essa figura política execrável foi na votação do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em 2016. Entre tantos votos patéticos naquele dia, o que mais me chocou e que nunca esqueci foram as palavras dedicadas “à memória do coronel Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff ”, um torturador elogiado em rede nacional por um deputado. Chorei de ódio. Aquilo, por si só, já dizia tudo: o Brasil iria enfrentar anos tenebrosos pela frente.
A partir daí, Bolsonaro virou presença constante nos meios de comunicação, com participações grotescas em programas de auditório, onde despejava “opiniões” tão rasas quanto violentas. O que parecia um personagem folclórico e irrelevante acabou se transformando em candidato competitivo, até ocupar o cargo de presidente da República, embalado por uma mistura tóxica de ódio, fake news, Lava Jato e a prisão injusta de um ex-presidente. A narrativa “anticorrupção” abriu a estrada para o pior projeto político que o Brasil já viu em tempos recentes. A facada em Juiz de Fora, transformada em capital político, alimentou a pose de vítima e de “escolhido”, explorada até o limite.
Sua gestão desastrosa atingiu o auge durante a pandemia, quando mais de 700 mil pessoas perderam a vida enquanto o chefe de Estado zombava da ciência e das vítimas. “Vai ficar chorando até quando?”, disse ele sobre as mortes, como se fosse apenas um coveiro cansado de luto alheio. Foram milhares de sonhos e famílias destruídas, uma dor imensurável em meio ao caos. Não parecia haver solução. Mas depois de 580 dias de uma prisão injusta, Lula foi inocentado e a esperança voltou a brotar no coração de todos.
Na tentativa de se reeleger, veio mais uma campanha baseada em ódio, mentiras e ataques, inclusive tentando dificultar o voto de nordestinos. Mas, desta vez, não havia facada, nem clima de comoção nacional, nem o álibi de um “acidente” para blindá-lo de debates e confrontos públicos. Restou só o que ele sempre teve para oferecer: ressentimento, desinformação e violência política. Bolsonaro entrou para a história como o primeiro presidente da redemocratização a não conseguir se reeleger. Em seguida, assistimos à sua fuga acovardada, disfarçada de “férias” nos Estados Unidos e, depois, à tentativa de golpe de 8 de janeiro, seguida de mais ódio despejado sobre a população brasileira.
Muitos brasileiros duvidavam que ele um dia fosse realmente preso. Infelizmente a nossa história costuma ser generosa com poderosos. Não desta vez. A prisão domiciliar acendeu uma centelha de esperança. Claro, como sempre em torno dessa família, tentou-se transformar tudo em circo: vigília na porta, clima de espetáculo, ensaio de uma fuga fracassada. O enredo acabou de um jeito bem menos heroico: uma prisão preventiva não pelos inúmeros crimes do passado, mas pela tentativa patética de violar a tornozeleira eletrônica. A biografia de Bolsonaro se resume bem nisso: irresponsabilidade, covardia e vergonha para o Brasil. Vivemos um período de delírio coletivo. Mesmo que passasse o resto da vida preso, não conseguiria compensar o que fez com o povo brasileiro. Ainda assim, há um sentido de justiça histórica em ver esse desfecho, mesmo que seja só uma pequena fração da justiça que ele merece.
Volto ao fatídico ano de 2016. No seu primeiro discurso após o impeachment, Dilma Rousseff disse: “Não gostaria de estar no lugar dos que se julgam vencedores. A história será implacável com eles.” Sim, querida presidenta. Esperei quase dez anos para ver essa profecia começar a se cumprir. E ela começou. O Brasil viu Dilma, derrubada por um impeachment ilegítimo, ocupar um lugar de respeito no cenário internacional. Novamente presidenta, não do Brasil, mas do banco BRICS. Viu Lula provar sua inocência, recuperar seus direitos políticos e voltar à Presidência da República pelo voto popular. E agora o Brasil vê um dos seus mais ferrenhos algozes enfrentar a cadeia, com lugar reservado ao ostracismo nas páginas da história.
A história não apaga o golpe do impeachment, a prisão injusta, nem as mortes na pandemia. Mas, pela primeira vez em muito tempo, há um fio de esperança à vista: a ideia de que ódio, mentira e violência política podem, sim, ter consequências. E de que ninguém, por mais que se ache vencedor, está acima da justiça.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




