A prisão de Bolsonaro: Justiça para a esquerda, oportunidade para a direita
E o surgimento da família Bolsonaro como marca
Há eventos que funcionam como espelhos: revelam menos sobre quem cai e mais sobre quem assiste.
A prisão de Jair Bolsonaro — preventiva, legalmente fundamentada, e acompanhada de uma condenação inédita por tentativa de golpe — tornou-se um desses espelhos. Para parte expressiva da esquerda, trata-se de justiça; para a direita, surpreendentemente, trata-se de uma redenção. Não de Bolsonaro, mas da estrutura simbólica que o sucederá.
O que se observa, com clareza clínica, é a transformação de um corpo político em mito familiar. E esse movimento é poderoso — não por sua coerência, mas por sua função psíquica e mercadológica.
A justiça como narrativa de restauração (à esquerda)
Para o campo progressista, a prisão de Bolsonaro marca a reabertura de um pacto com o princípio republicano:
“A lei alcança todos, inclusive um ex-presidente.”
Há alívio, mobilização digital e um sentimento difuso de que, finalmente, aquilo que parecia impossível no Brasil — responsabilizar um líder autoritário — tornou-se real. Estamos diante do equivalente político de um “retorno do recalcado”: um país que adia sua própria justiça acaba, mais cedo ou mais tarde, reencontrando-a de forma abrupta.
A psicanálise nos lembra que o desejo de justiça é sempre o desejo de reparação: reparar o que foi ferido, corrigir o que foi distorcido, nomear o que foi silenciado.
A esquerda celebra porque, por um instante, a democracia pareceu possível.
A prisão como rearranjo narcísico — e mercadológico — da direita
Enquanto isso, a direita não desaparece — ela se reorganiza.
E o faz não apesar da prisão, mas graças a ela.
Aqui opera um mecanismo conhecido na política e na clínica:
Quando o mito cai, surgem seus herdeiros.
A família Bolsonaro, antes orbitante, agora entra em cena como protagonista.
Em marketing, chamamos isso de reposicionamento de marca:
o “produto original” perde valor, mas o branding permanece tão forte que se reconverte em linha de produtos derivados.
A prisão, portanto, desfaz Bolsonaro como líder, mas intensifica o bolsonarismo como marca familiar.
A ascensão dos herdeiros: da ex-primeira-dama ao filho caçula
Um fenômeno digno de estudo é a forma como cada membro da família encontrou rapidamente seu novo lugar ao sol, como se a queda do patriarca liberasse a energia necessária para que todos ocupassem, finalmente, posições próprias — não mais como satélites, mas como porta-vozes.
Flávio Bolsonaro
Assume a função de “filho primogênito messiânico” — aquele que herda a missão.
Lança sua candidatura à Presidência de 2026 com a benção do pai encarcerado.
No Marketing a leitura é chamada de reposicionamento estratégico.
Na Psicanálise é identificação narcísica com o ideal do pai caído.
Michelle Bolsonaro
Após especulações de candidatura, recua.
Não por fragilidade, mas porque sua função simbólica se desloca e ela se torna o ícone moral e afetivo da família, o polo de pureza que mantém viva a promessa do messianismo evangélico. Lembrem-se do lema(m): Deus, pátria e famiglia!
No Marketing o branding emocional e na Psicanálise a encarnação da “madona” que sustenta a narrativa de perseguição. Quando difamada é usada por homens, quando enaltecida se envolve em véus puritanistas, ela não é amante, torna-se “mãe”.
Os filhos mais jovens (Carlos, Eduardo e Renan)
Mesmo que em graus distintos, todos encontram sua função política e discursiva.
A prisão do pai funciona como gatilho para que esses filhos assumam papéis de “guardiões do legado”, produzindo discursos, mobilizando a base, convocando vigílias e repassando a narrativa de injustiça. Uma família de injustiçados inocentes! Erra quem assume a versão e acredita no golpe. Há uma transição do tom anterior. Eles não falam mais do pai — falam como o pai.
É a transformação do chefe político em síntese imaginária, ou seja, um objeto que pode ser imitado, disputado, multiplicado. Nesse caso por minimamente 5 cabeças.
Por que isso é alegria para a direita?
Porque o bolsonarismo deixa de ser um problema de um homem e passa a ser um ecossistema.
O pai preso cria a necessidade de substitutos — e substitutos são sempre mais moldáveis, mais jovens, mais marketáveis.
Em marketing político, isso é ouro.
Em psicanálise, isso é estrutura: quando o Pai simbólico cai, o desejo coletivo não se dissolve — ele se desloca rumo aos irmãos. Funciona historicamente desde “Adão e Eva”.
A direita interpreta a prisão não como fim, mas como ritual de passagem.
Agora tem mártir, tem mito e tem sucessores.
A narrativa de perseguição, tão eficaz para mobilização, ganha um novo capítulo — e uma nova geração.
A esquerda venceu a batalha — mas a direita ganhou um enredo
O paradoxo final é que o ara a esquerda a prisão é vitória jurídica, moral e histórica. Para a direita é uma oportunidade rara de reorganização e reposicionamento.
A esquerda conquista justiça. A direita conquista narrativa. E em política — como em marketing e como no inconsciente — narrativa é destino e guia quem a conta com melhores argumentos. Assim, o mito cai para que a marca sobreviva.
O Brasil vive um momento singular, o primeiro ex-presidente condenado por tentativa de golpe cumpre pena enquanto sua família ascende como marca política.
Bolsonaro preso, mas o bolsonarismo, paradoxalmente, vive uma fase de reestruturação criativa — tanto psicanalítica quanto mercadológica.
E, como toda marca que perde seu fundador, agora precisa provar se sobrevive por identidade ou se desmorona por falta de origem. Enquanto isso a esquerda celebra a justiça. A direita celebra um recomeço.
Ambas, por motivos muito diferentes, veem na prisão não o fim, mas o início de um processo. E nós, seguimos buscando por dias que a democracia possa ser consolidada e justiça social não seja apenas sonho.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




