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Luis Cosme Pinto

Luis Cosme Pinto é carioca de Vila Isabel e vive em São Paulo. Tem 63 anos de idade e 37 de jornalismo. As crônicas que assina nascem em botecos e esquinas onde perambula em busca de histórias do dia a dia.

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Acabou, mas continua

A gente perambula na cidade e se surpreende: termina aqui e ressurge ali

Placa de rua -Alameda Barros (Foto: Luis Cosme Pinto)

Cuxiponés ou Capepuxis? Confundi uma com a outra e, em vez de chegar à Vila Anglo, onde a primeira serpenteia, fui parar no Alto de Pinheiros, território da segunda, de muros altos e calçadas planas.

Entregador, atleta ou pedestre curioso... quem anda em São Paulo sabe que as ruas são confiáveis até a próxima esquina.

A Alves Guimarães e sua vizinha Cristiano Viana, em Pinheiros, terminam em um escadão. É pau. É pedra. É o fim do caminho. A gente se assusta.

— Como pode, se o número que procuro ainda não apareceu?

A resposta do carteiro é simples: “Acabou, mas continua. A numeração segue ali na frente, basta subir a escadaria ou contornar o paredão. Respira fundo".

Nas duas pontas da rodovia Presidente Dutra, investigo as xarás, sejam vielas ou avenidas, alamedas ou vias expressas. No Rio, a Souza Lima, onde Oscar Niemeyer gostava de almoçar, brota no calçadão de Copacabana; em Sampa, desponta na gloriosa Barra Funda, onde viveu Mário de Andrade.

Tuiuti, em São Cristóvão, é do tempo em que rua se chamava logradouro. Já no Tatuapé, é cheia de novidades e passa dos três quilômetros.

Barata Ribeiro e Visconde de Pirajá, caminho de motoristas e pedestres na zona sul carioca, em Sampa têm CEP na Bela Vista e no Ipiranga. A Torres Homem, em Vila Isabel, é vizinha ao Morro dos Macacos e, no paulistano Jaguaré, quase Osasco.

O perambular por xarás que nunca se cruzaram é interminável. Tão diferentes como nossas duas maiores cidades, elas são desiguais na extensão, na renda e no sotaque dos moradores; também no barulho, nos caminhos que abrem, nas encruzilhadas. Só mesmo os nomes são iguais: Palmeiras, Bom Pastor, Haddock Lobo, Voluntários da Pátria; ainda Ferreira de Araújo, Toneleiros, Senador Vergueiro, Rio Branco; sem falar de Curuzu, Cantagalo, Juriti, Várzea. Não, ninguém dá conta dessa trilha.

Mesmo ao andar em linha reta e com os pés firmes no chão, caímos das nuvens ao ver que a rua já não é mais aquela em que entramos. Como assim? A Frederico Abranches, na minha Vila Buarque, se transforma em Alameda Barros, que passa a ser Cândido Espinheira até dar de frente com o muro do Parque da Água Branca. Três nomes em dois quilômetros.

Basta uma transversal e Aureliano se torna Sabará. Canuto se transforma em Baronesa. João Ramalho já é Padre Chico.

Em uma tarde de primavera, vejo a garotada sair da escola na rua Nazaré Paulista. Quando passo da padaria, já é Alvilândia e, depois do ponto de táxi, vira Japiaçóia. Quatrocentos metros de câmeras, grades pontiagudas e a placa azul de letras brancas informa um quarto nome: Belini, que logo dá vez a Arruda Botelho.

Pela ordem, são duas cidades paulistas, uma espécie de pomba, o capitão da seleção campeã de 1958 e um médico que entrou na política. O mesmo caminho e cinco nomes até encontrar a Marginal Pinheiros. A estrada urbana, mais larga que o rio e suas margens sequestradas, se chama Engenheiro Billings, Ruth Cardoso, Nações Unidas, Rua Hungria. Tudo, menos Marginal Pinheiros.

Na Tietê, só muda o rio: em cada trecho, um homenageado diferente — pode ser embaixador, condessa e até ditador —, menos Marginal Tietê, como a gente conhece.

Como tantas ruas, esta crônica sobe e desce, desvia, contorna, bifurca; depois alarga; então, estreita e, de repente, acaba.

No muro. No beco. No ponto final.

Reeditei esta crônica de alguns anos porque ela dá nome e faz parte do meu novo livro. “Acabou, mas continua” será lançado no sábado (8), na livraria Folha Seca, no Rio de Janeiro.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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