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Emir Sader

Colunista do 247, Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros

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Aventuras e desventuras da esquerda na América Latina

O diferencial mais importante do Brasil é a existência do PT e do Lula

Lula (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

Depois que o continente teve uma década plenamente neoliberal, no fim do século passado, passou a viver um período dominado pelo antineoliberalismo. A esquerda passou a protagonizar a história do nosso continente, até projetando os mais importantes líderes políticos deste século no mundo.

Houve vitórias e derrotas, sucessos e insucessos, caminhos e descaminhos. Brasil, Argentina, México, Chile, Colômbia, Equador, Uruguai, Venezuela, entre outros países, foram cenários de grandes acontecimentos.

Neste artigo vamos tomar apenas alguns casos. Escolhi, neste artigo, dois casos como exemplos.

A esquerda brasileira é um caso de experiência que está dando certo, depois dos tropeços que o país teve. O diferencial mais importante do Brasil é a existência do PT e do Lula. Foi uma esquerda que, primeiro, criticou Getúlio, depois soube reconhecer os avanços dele, mas com relativa distância.

Por outras razões, Getúlio se suicidou, favorecendo o distanciamento da esquerda. Quando Brizola tentou retomar o getulismo, dizendo que ele era a "paixão secreta do povo brasileiro", acreditava que havia uma continuidade da herança de Getúlio e que seria a personificação disso.

Erro crasso. Em primeiro lugar, o núcleo central da classe operária se havia deslocado das estatais, no Rio de Janeiro, para São Paulo, com a nova geração da classe operária, procedente do Nordeste – da qual fazia parte Lula –, que deu origem ao PT. Brizola nunca entendeu o PT, chegou a se aliar a gente de direita, no fim da vida, em oposição ao PT.

O PT soube se renovar, se adaptar aos tempos novos, e Lula foi fundamental nesse processo. Ele se deu conta, por exemplo, da importância do controle da inflação e a incorporou a seu governo.

O PT e Lula nunca foram getulistas. A direita explora sempre um certo antipetismo, mas que não impediu as várias vitórias do partido e de Lula.

A Argentina é um caso diferente. O peronismo tem muito mais força do que teve o getulismo. Perón sobreviveu ao golpe que o derrubou, em 1955, e seguiu dirigindo a esquerda argentina.

A esquerda argentina contemporânea, com razões, incorporou-se ao peronismo, no kirchnerismo. Mas essa incorporação tem um ônus e um bônus. Tiveram incorporado, ao mesmo tempo, a rejeição do peronismo, que é bem maior do que a rejeição ao petismo. Cristina Kirchner, por exemplo, apresenta 30% de apoio e 30% de rejeição nas pesquisas.

A surpreendente vitória de Javier Milei foi produto, entre outras coisas, da retomada do fantasma do suposto risco do retorno do peronismo. Da mesma forma que sua eleição foi produto também dessa exploração contra o candidato peronista – que ao mesmo tempo havia sido o ministro da Economia com uma inflação descomunal.

Há uma enorme bibliografia sobre as analogias e diferenças entre o Brasil e a Argentina e entre as esquerdas dos dois países. É um tema inesgotável, às vezes com supostas analogias, mas que escondem diferenças reais.

Não se trata de classificar as esquerdas latino-americanas em boas e ruins, em corretas e incorretas. Mas de qualificar as experiências, cujo conhecimento permite que a esquerda continue a protagonizar a história do nosso continente.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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