Brasileiro de origem, cidadão do mundo, escreve desejos públicos para 2026
Desejos que cruzam fronteiras: justiça fiscal, democracia informada, paz internacional e dignidade social como exigências mínimas de um mundo em reconstrução
Ao projetar 2026, afirmo um desejo deliberado: que o futuro volte a ser objeto de escolha coletiva, e não simples produto da inércia, do medo ou do cálculo tecnocrático de curto prazo.
O que segue não é carta de intenções nem exercício retórico. É um conjunto de anseios conscientes, sustentados por dados, memória histórica e disputas reais. Esperar, aqui, é exigir que determinadas transformações se concretizem.
Hexa: espero que o Brasil volte a ser campeão do mundo
Espero que o Brasil seja campeão do mundo em 2026. Não por nostalgia, mas porque acredito que o futebol brasileiro só se reencontrará quando voltar a ser tratado como projeto, não como espetáculo improvisado. Desejo que a seleção chegue à Copa dos Estados Unidos, Canadá e México com método, ciência do esporte, disciplina tática e escolhas responsáveis.
Nesse contexto, espero que Neymar não seja convocado. Não por negação de seu talento passado, mas porque não tem rendido o suficiente, convive com lesões recorrentes — nem sempre transparentes — e deixou de representar um exemplo esportivo e ético para a juventude. Anseio por uma seleção menos dependente de biografias interrompidas e mais comprometida com desempenho coletivo, regularidade física e responsabilidade simbólica.
Mangueira: desejo ver a tradição campeã
Ficarei genuinamente feliz se a Mangueira for campeã do Carnaval carioca. Desejo que isso aconteça sem concessões à lógica industrial que empobrece narrativas e descaracteriza identidades. Quero ver a tradição vencer não como nostalgia, mas como projeto estético vivo.
O carnaval do Rio movimenta bilhões de reais por ano e gera dezenas de milhares de empregos diretos e indiretos. Ainda assim, escolas históricas sofrem pressão crescente de um modelo financeirizado. Preservar a Mangueira é preservar a ideia de que cultura popular é política pública e memória coletiva, não mercadoria descartável.
Educação: anseio por ética e autocuidado como política pública
Anseio que o Brasil compreenda, em 2026, que educação não pode continuar restrita à transmissão de conteúdos formais. Desejo que ética e autocuidado se tornem disciplinas transversais, práticas e cotidianas, formando cidadãos capazes de lidar com frustração, convivência social, dinheiro, tecnologia, riscos domésticos e responsabilidade emocional.
Os dados são inequívocos: aumentaram os casos de ansiedade, depressão, automutilação e violência escolar entre crianças e adolescentes. Países que incorporaram educação sócio emocional reduziram evasão escolar e conflitos. Prevenir é mais barato — e mais humano — do que remediar.
Inflação e juros: desejo um país que volte a investir em si
Espero que o Brasil consiga manter a inflação sob controle e, ao mesmo tempo, romper com a lógica de juros estruturalmente elevados. Desejo explicitamente que a taxa básica de juros caia para algo próximo de 8% ao ano, patamar compatível com crescimento econômico, investimento produtivo e expansão do emprego formal.
Hoje, o país destina centenas de bilhões de reais por ano apenas ao serviço da dívida pública. Essa escolha drena recursos que poderiam financiar infraestrutura, inovação, reindustrialização e políticas sociais. Reduzir juros não é voluntarismo: é condição para um projeto nacional de desenvolvimento.
Redes sociais: espero o fim da ditadura algorítmica
Espero que 2026 marque uma virada clara contra a proliferação de fake news e contra a ditadura dos algoritmos manipuláveis pelas grandes plataformas digitais. Desejo fiscalização permanente, em tempo real, com transparência algorítmica, rastreabilidade de impulsionamentos e aplicação de multas severas às empresas que lucram com a desinformação.
O Brasil figura entre os países que mais passam tempo diário nas redes sociais, e estudos eleitorais demonstram que conteúdos falsos circulam mais rápido do que informações verificadas. Democracia não sobrevive à anarquia informacional.
ONU: desejo uma reforma que devolva relevância
Desejo que a Organização das Nações Unidas deixe de refletir apenas a correlação de forças de 1945 e passe a representar o mundo do século XXI. Espero a reforma do Conselho de Segurança, com ampliação de membros permanentes e inclusão de países hoje sub-representados. O Brasil e a Índia precisam estar no Conselho de segurança. Os motivos são inúmeros: representatividade geográfica, população, economias robustas.
Sem essa atualização, a ONU continuará existindo formalmente, mas com eficácia política cada vez menor, incapaz de prevenir conflitos ou conter escaladas humanitárias graves.
Gaza: espero que a paz deixe de ser retórica
Espero que cesse a devastação em Gaza. Anseio que a comunidade internacional reconheça, de forma concreta, que sem um Estado palestino viável, com soberania real, garantias de segurança e reconhecimento político, não haverá paz duradoura.
A destruição maciça de infraestrutura civil, a morte de dezenas de milhares de pessoas — em sua maioria civis — e o deslocamento forçado de populações inteiras tornaram insustentável a lógica dos intervalos entre massacres.
Ucrânia: anseio pelo fim da guerra e pela segurança nuclear
Anseio que a guerra na Ucrânia seja encerrada. Não apenas por razões diplomáticas, mas por exigência civilizatória. Desejo que as usinas nucleares sejam rigorosamente protegidas, desmilitarizadas e permanentemente monitoradas por organismos internacionais independentes.
A normalização do risco nuclear em zonas de conflito representa um precedente perigosíssimo, com potencial de afetar todo o continente europeu.
Semana 5×2: desejo trabalhar melhor para viver melhor
Espero que o Brasil avance de forma consistente na adoção da semana 5×2. Experiências internacionais indicam ganhos de produtividade, redução de adoecimento e melhoria da qualidade de vida.
Nesse mesmo horizonte, desejo que seja aprovada a tarifa zero no transporte público. Mobilidade urbana é direito social e fator direto de acesso ao trabalho, à educação e à cultura. Para milhões de brasileiros, transporte gratuito significa tempo, renda e dignidade.
Aposentados: desejo justiça plena
Desejo que todos os aposentados do INSS sejam isentos do pagamento de imposto de renda. O Regime Geral da Previdência Social paga cerca de 39 milhões de benefícios no país. Aproximadamente 70% correspondem a um salário-mínimo e cerca de 20% a até dois salários-mínimos, revelando um contingente majoritário de idosos de baixa renda.
Esses brasileiros contribuíram por 30 a 40 anos, sustentaram o Estado e financiaram políticas públicas. Tributar aposentadorias modestas gera baixo retorno fiscal e alto custo social. Isentá-las é justiça fiscal, reconhecimento histórico e dignidade na velhice — um avanço que espero ver concretizado em 2026.
Mídia progressista: espero que seja fortalecida
Espero que a mídia progressista brasileira seja decisivamente apoiada. Desejo políticas de fomento transparente, distribuição equilibrada de publicidade institucional e estímulo a modelos sustentáveis de financiamento.
Sem pluralidade informativa, não há democracia deliberativa — apenas reações emocionais guiadas por interesses econômicos e desinformação.
Segurança pública: desejo que o Estado pare de administrar a barbárie
Espero que operações como as realizadas no Morro do Alemão e na Penha, no Rio de Janeiro — que resultaram em mais de 124 mortos — jamais se repitam. Ações de altíssima letalidade não desmontam o crime organizado e produzem apenas dor, medo e ressentimento.
Desejo, em contrapartida, que operações de inteligência financeira, como a Carbono Oculto, ocorram várias vezes ao ano, estrangulando economicamente facções e milícias, bloqueando contas, confiscando bens, desmontando empresas de fachada e punindo agentes públicos cúmplices. Segurança eficaz se mede por redes criminosas desarticuladas, não por corpos no chão.
Ética institucional: espero coragem no topo do poder
Anseio que 2026 seja o ano em que a ética deixe de ser discurso e passe a ser prática institucional. Desejo regras claras, transparência efetiva e consequências reais para quem confunde prerrogativa com privilégio.
Espero que membros do Supremo Tribunal Federal adotem robusta autocontenção: nada de caronas em jatinhos de empresários, nada de relações privadas que comprometam a aparência de independência, nada de intervenções para proteger interesses econômicos ou negócios jurídicos de familiares. Exemplaridade em decoro, impessoalidade e afastamento de interesses patrimonialistas não é opcional — é requisito do cargo.
Desejo também que parlamentares sejam proibidos de indicar emendas orçamentárias que ultrapassem o equivalente a um ano de seus salários brutos. O orçamento é da União, e o Poder Executivo é quem possui legitimidade para sua execução. Essa medida simples reduziria drasticamente práticas clientelistas e dezenas de casos de corrupção.
Nobel de Literatura: desejo uma reparação simbólica
Por fim, desejo que o Brasil receba seu primeiro Nobel de Literatura. Anseio que a obra de Chico Buarque seja reconhecida como literatura de alcance universal. Assim como também ou talentoso “manauárabe” Milton Hatoum. E Conceição Evaristo.
Mas pressinto que agora é a vez do Chico. Que o mundo reconheça que a grande literatura também se escreveu em canção, em versos que condensam desejo, amor, esperança, dor, política, subjetividade e linguagem com precisão rara. Não seria apenas um prêmio. Seria um acerto histórico. Aqui uma brevíssima fração de seus versos, esses que acho imbatíveis:
Quem sabe um dia, por descuido ou poesia, você goste de ficar?
Você que inventou a tristeza, ora, tenha a fineza de desinventar
Acho uma delícia quando você esquece os olhos em cima dos meus, ou quando sua risada se confunde com a minha
Oh, pedaço de mim! Oh, metade afastada de mim! Leva o teu olhar que a saudade é o pior tormento. É pior do que o esquecimento, é pior do que se entrevar
As pessoas têm medo das mudanças. Eu tenho medo de que as coisas nunca mudem
Quando chegar o momento, esse meu sofrimento vou cobrar com juros, juro
As pessoas têm medo das mudanças. Eu tenho medo de que as coisas nunca mudem
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




