Emir Sader avatar

Emir Sader

Colunista do 247, Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros

938 artigos

HOME > blog

Chile: do pós-pinochetismo ao neopinochetismo

'Um Chile de extrema-direita pode levar ao fim do isolamento de Milei na Argentina, mas não alteraria a predominância de governos progressistas no continente'

Jeanette Jara e José Antonio Kast (Foto: Divulgação )

Qual o caminho percorrido pelo Chile desde o fim da ditadura militar até o primeiro turno destas eleições presidenciais, que provavelmente levará, no segundo turno, à eleição de um candidato que representa uma espécie de neopinochetismo?

O fim da ditadura de Pinochet ocorreu com sua derrota em um referendo convocado em 1977, que buscava obter, desta vez por meios institucionais, um novo mandato presidencial. Essa derrota levou à vitória, nas eleições presidenciais de 1980, de uma coalizão de partidos de oposição — o Partido Socialista e a Democrata Cristã — conhecida como Concertación.

Esses governos, que duraram cerca de 30 anos, seguiram o exemplo de seus pares europeus — François Mitterrand na França e Felipe González na Espanha — que abraçaram o neoliberalismo, argumentando que o ajuste fiscal das contas públicas é um caminho obrigatório para qualquer governo “responsável”.

Eles seguiram o mesmo caminho das forças social-democratas e até nacionalistas em países como Brasil, México, Venezuela, Colômbia, Argentina e Chile, entre outros. Assim como nesses países, no Chile a coalizão Concertación conseguiu a reeleição democrática, mas sem abordar as graves condições sociais herdadas da ditadura. Houve uma combinação de ruptura no sistema político com a continuidade do modelo econômico, pioneiro na América Latina sob Pinochet, devido à chegada dos chamados Chicago Boys, que trouxeram o modelo neoliberal para o Chile.

Essa ausência de qualquer tipo de mudança estrutural na economia chilena, com suas consequências sociais e políticas, culminou nas maiores manifestações populares da história do país em 2019, que evidenciaram a necessidade de uma Assembleia Constituinte.

Essas mobilizações culminaram na eleição de um dos líderes do movimento estudantil, que havia participado ativamente dessas manifestações massivas, como presidente do país – Gabriel Boric.

O fracasso do governo Boric tem sido um dos elos essenciais para entender por que o país passou do pós-Pinochetismo para a provável eleição de um candidato neopinochetista – José Manuel Kast. Embora a candidata de esquerda – Jeanette Jara – tenha ficado em primeiro lugar no primeiro turno, os votos combinados para os candidatos de direita no primeiro turno – cerca de 44% dos votos – superaram em muito os 26% que ela recebeu. Esse resultado sugere que, no segundo turno, o Chile provavelmente elegerá Kast como seu novo presidente.

Durante o governo Boric, a direita capitalizou-se sobre o vácuo político criado pela incapacidade do governo de atender às demandas dos protestos de 2019. Isso acabou levando à vitória da direita nas eleições, inclusive para a nova Assembleia Constituinte, uma reivindicação defendida pelas mobilizações de 2019.

A plataforma da direita priorizou a segurança pública, em contraste com as posições das forças antineoliberais em outros países, que priorizaram políticas sociais.

O primeiro turno destas eleições presidenciais contrastou as posições da candidata de esquerda, que prioriza políticas sociais, com a abordagem de segurança pública que passou a caracterizar a nova direita latino-americana.

A própria candidata de esquerda acabou apresentando propostas mais moderadas, incluindo o compromisso de deixar o Partido Comunista caso vencesse a eleição. Ela também adotou posições críticas em relação a processos políticos como os de Cuba e Venezuela, que agora considera antidemocráticos.

É provável que a soma dos votos dos diversos candidatos de direita leve à vitória, no segundo turno, de seu candidato mais radical – José Manuel Katz –, efetivamente retornando o Chile, cinquenta anos após o golpe militar que pôs fim ao governo democrático de Salvador Allende, a uma espécie de neopinochetismo.

Assim, um Chile de extrema-direita poderia levar ao fim do isolamento do governo de Javier Milei na Argentina, que até então contava apenas com aliados fora da América Latina: os Estados Unidos e Israel.

Isso não alteraria a predominância de governos progressistas no continente, como os do Brasil, Argentina, Colômbia, Venezuela, Uruguai e Honduras. No entanto, a partir de agora, eles terão que enfrentar um eixo de extrema-direita no continente.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

Artigos Relacionados